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Dublê de corpo



Os facões tilintaram no escuro, como moedas ao se cruzarem, acendendo uma fagulha breve, tempo suficiente para que os olhos demonstrassem o ódio, a concentração, a luta pela vida. Os movimentos velozes anulavam os golpes, mas não todos. Em meio ao silêncio, respiração forçada, dentes rangendo e pancadas letais, destruindo a tudo que estava pelo caminho, mesa, cadeiras, quadros, louças...
Um dos oponentes deixou escapar um gemido ao ser alcançado pela lâmina, corte limpo, não muito fundo, braço esquerdo. Devolveu imediatamente, nas costelas, ao mesmo tempo em que um chute violento causava danos ao lado do joelho.
Desesperado, o atingido jogou o corpo para a frente, sabendo que o facão atingiria o espaço, mas lhe daria a oportunidade de usar o corpo para derrubar com o peso ao adversário. Caíram sobre a mesa de centro, que se espatifou, vidro e madeira para todo o lado, as armas brancas se perdendo na escuridão.
Em vantagem momentânea, posicionando sobre o adversário, iniciou o corpo-a-corpo com pancadas de marreta no rosto do inimigo. A luz de um farol iluminou a cena rapidamente por segundos; um automóvel que passara lá fora, alheio ao combate mortal ninja executado pelo homem de roupas pretas contra o de jaqueta verde oliva. Um crash avisou que o nariz do de jaqueta verde se partira, mas nem deu tempo de comemorar, atingido por um cotovelo nas costelas, onde a faca atingira.
O fôlego sumiu por instantes e o joelho do oponente encostou a sua cintura e o atirou para o lado. Antes que se reequilibrasse encontrou a botina número 44 no meio da cara, um pisão na cabeça e diversos chutes pelo corpo. Procurando encolher-se como podia, tentou pensar rápido e sair daquele desconforto. Encontrou um pedaço de madeira da mesa e acertou a canela com a força que tinha. Um ruído abafado de dor e o adversário estremeceu, um soco na linha da cintura equilibrou a luta e uma cabeçada no peito o afastou, dando-lhe tempo para erguer-se socando o vento diversas vezes. Encontrou o pescoço do homem e agarrou como se esganasse a um frango com garras poderosas.
Quase sem respirar o de jaqueta verde esmurrou o braço que o estrangulava sem efeito. Ergueu o joelho para acertá-lo. Deu resultado, as mãos afrouxaram. Uma porrada entre os olhos com firmeza o fez acreditar que uma cortina de sangue escorria abundantemente pelo rosto do desafeto.
Muitos danos infligidos em ambos, mas não desistiam, um deles deveria apagar permanentemente para que o outro saísse dali com chances de sobreviver por mais um dia. O murro na testa seguido de outro na orelha tornou a sua visão ainda mais turva. Devolveu com um cruzado no queixo que derrubaria a um búfalo. Não funcionou. Em troca uma cotovelada abriu o supercílio e um chute frontal no peito o jogou contra a parede do lado contrário.
Tentou buscar o ar e proteger-se como dava dos golpes que viriam quando as luzes foram acesas, ofuscando ambos os olhares. Com os ouvidos zumbindo ainda escutaram um grito excitado de uma terceira pessoa:
- Corta!
Olharam em volta ofegantes. Estavam cercados. Palmas. O diretor do filme elogiou a cena e eles se cumprimentaram, recebendo uma garrafa com água e uma toalha cada um. Teriam tempo para comer alguma coisa e tomar um banho antes das próximas cenas de luta. Era duro ganhar a vida como dublês.



Marcelo Gomes Melo
 

 

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