Na
primeira chance que teve ela já foi dizendo que me amava. Eu tomava banho
regularmente, andava bem arrumado e cheiroso, além de ser gentil e educado com
as pessoas por natureza. Só que isso não garantia que uma gostosona como aquela
se aproximasse de mim toda sorrisos, sentasse ao meu lado no banco da praça em
que eu costumava ler um livro para atrapalhar jogando conversa fora, exibindo
aquelas pernas de parar o trânsito, fazendo perguntas de todos os tipos, uma atrás
da outra sem esperar respostas.
Ela
falava sobre os filmes dos quais gostava, das músicas as quais ouvia, o grupo
de amigos com o qual saía, sempre repetindo claramente que, no momento estava
sozinha, entre relacionamentos. Era do tipo exibido inocente, fingindo não
perceber os olhares que recebia, e não entender as cantadas que recebia.
Eu
sempre a tratei com respeito, até carinho. Não posso negar tê-la homenageado
algumas vezes no pensamento, sob a água morna do chuveiro, mas sabia que era
muita areia para o meu caminhão. E nem caminhão eu tinha!
Ela
insistia em me fazer companhia, de vez em quando deixando uma interrogação no
olhar ostensivamente, porque outros caras com zero atenção por parte dela já
teriam colado para conseguir um encontro com ela. Eu, tentado, continuava me
fazendo de tonto.
Quando
ela encostou as duas mãos no meu peito, ficou na ponta dos pés e me encarou
dentro dos olhos, senti o hálito quente sabor cereja daqueles lábios
entreabertos oferecidos com tanta devoção que não resisti. Enlacei-lhe a
cintura e tomei a sua boca com uma gula inigualável. Como eu pensava, a garota
era artista no amor e correspondeu plenamente, me despindo com avidez, tomando
o controle sem frescura, me encaminhando ao paraíso sem escalas!
Às
horas de prazer intenso, se seguiram as de torpor satisfeito, abraçados,
tranquilos, saciados. Pude verifica-la sem disfarces, confirmando a beleza
daquela mulher carinhosa e voraz. Enquanto adormecida em meus braços respirava
como um anjo, as perguntas inevitáveis de um cara comum vieram à tona. Por que
eu? De onde saíra aquele monumento que frequentava o grupo dos ricos e
bem-sucedidos direto para os meus braços?
É
difícil acreditar em contos de fadas quando se vive em uma realidade muito mais
complicada e nada altruísta. Não há amor nas grandes cidades, dizia o poeta, as
mulheres como ela sempre guardam um desejo diferente de alcançar os maiores
patamares, fama e riqueza através dos dotes físicos com os quais foram
agraciadas.
Assim
era a vida, não podia fugir disso. Embora lisonjeado com a sua atenção, e mais,
com o seu carinho despudorado, pecaminoso, continuava pensativo, não
acreditando na sorte grande. Enquanto isso ela me ensinava a praticar todos os
tipos de pecado, literalmente. Estar com ela era um passeio do inferno ao
paraíso.
Uma
semana depois de sexo e encontros, encontros e sexo, ela disse que me amava.
Parecia uma santa, de olhos baixos e voz suave, quase tímida, confessando o seu
amor por mim incondicionalmente. Com o coração aos saltos eu nem soube o que
responder! Emocionados nos atracamos ferozmente para mais carícias e tudo o que
fosse permitido. E tudo o era. Eu a possuía insanamente, fora de mim,
observando a nós, aos movimentos hipnóticos dela que poderiam desarvorar um
homem. Qualquer homem.
Eu
já estava abandonando as minhas dúvidas quando casualmente ela me indagou se eu
era o filho do produtor musical famoso, diretor de cinema e TV de quem tanto
falavam. Sorria, cheia de pudor, e eu, boquiaberto, observava a minha teoria
finalmente se concretizando.
Sem
me dar chance de responder, como sempre, começou a enumerar os seus talentos
artísticos de canto, dança e interpretação, coisas as quais eu já sabia. Havia
experimentado muito além. Tomado por uma tristeza incomensurável fiquei pasmo,
em silêncio, ela tagarelando sobre uma chance ou algo assim...
O
nome. O nome do filho do produtor era o mesmo que o meu! Homônimos! Ela errara
o tiro no tigre! Eu não sabia se morria de sorrir por mim ou de chorar por ela.
Repetiu que me amava ao perceber a tristeza em mim. Eu tive que contar. Eu não
tinha carro, não tinha moto, nem bicicleta eu tinha! Eu não tinha dinheiro e
muito menos herança. Eu não tinha nada! O cara por quem ela devia dizer estar
apaixonada era outro.
Assim
que contei ela esfriou. Afastou-se. Tentando reunir toda a dignidade que
restara, levantou-se e foi embora em silêncio. Antes de fechar a porta atrás
dela, perguntou suavemente se eu tinha o número do telefone do outro rapaz.
Eu
não disse nada além da verdade. Ela falou que me amava, mas era mentira.
Marcelo
Gomes Melo
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