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Apenas uma questão de negócios

 
Chegou o dono do boteco. Abaixa a crista, fecha a conta e sai andando reto no caminho de casa. Aqui se bebe, se chora as mágoas e se afoga as dores; com o excesso de álcool se acabam os pudores e tudo é escancarado. Boteco Psicologia, esse aqui. Nome fantasia registrado. Bem mais barato do que um profissional da mente, todos desfrutam do ambiente para enxaguar o ódio ou a alegria com pinga de boa qualidade e petiscos deliciosos.
Camarada felizardo, recém ganhador do jogo do bicho pode comemorar pagando uma rodada para todos os presentes, adquirir endereços de prostíbulos novos e telefones de profissionais liberais sem vínculo com qualquer residência da luz vermelha, agradecer o apoio e o orgulho dos parceiros de cama pela sorte e em seguida sair para o complemento da noite. De manhã chegaria em casa bêbado e sem um centavo, ouviria as reclamações da mulher e tomaria um banho para ir pegar no batente.
Tipos nervosos, sacaneados por todos, podem abrir a garrafa e, soturnos, remoer o chifre, a perda do emprego, a visita da sogra, a queda do andaime e outros males menores, sem serem incomodados por ninguém.
Os sonhadores podem beber sem ter o que comemorar, bradando os benefícios que viriam no futuro, de peito estufado, acreditando como se fosse verdade coisas que não aconteceriam. Eram esses sonhos que os mantinham em pé, com a quantidade certa de cachaça, obviamente.
Aqueles tristonhos, solitários, sem família, bebiam diariamente para esquecer a solidão e lembrar da família distante, que jamais saberia do fracasso que os acometera desde que saíram do buraco em que moravam nos confins do mundo, prometendo enriquecer na cidade grande. Enganados, limitavam-se a trabalhar como burros de carga para beber. A família continuaria sem notícias até que as coisas mudassem e pudessem comprar roupa nova, sapato, um rádio FM, um óculos Ray-ban, um boné...




O dono do boteco era rei no trato com os seus clientes. Observava uns em silêncio, lavando e secando os copos, servindo novas doses. Ouvia atentamente a outros, sorridentes e barulhentos, que deixavam gorjeta quando estavam por cima, e os que, caindo de bêbados choravam, contando as suas tristes histórias de cortar o coração.
O que não permitia era que os valentões, que surgiam de vez em quando, tentassem perturbar o estabelecimento puxando briga com quem estava quieto ou tentando quebrar as coisas do bar. Logo retirava de baixo do balcão um taco de baseball e acalmava o brigão, na pancada ou no ameaço. Nada pessoal, poderiam voltar depois, desde que em paz.
Um profissional precisa realizar a sua função sem raiva, sem lamentação, sem piedade. Ele fazia o que tinha que fazer, protegia o seu negócio e cuidava do bem-estar dos clientes, do jeito que fosse necessário. Eram apenas negócios.


  
Marcelo Gomes Melo
 

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