O
velho intragável da casa 705
Eu
sou bom em ser ruim, essa é a verdade. Faço questão de apavorar a todos os que
aparecerem no meu caminho, e até os que não apareçam. Para lhe dar uma ideia,
vou lhe oferecer alguns exemplos: quando a molecada deixa a bola cair no meu
quintal, pego uma faca e estouro sem dó, depois jogo para o lado de fora os
restos mortais da bola, gargalhando do ódio dos moleques que jogavam futebol na
rua. Deixo o meu pitbull com fome no dia da leitura da luz e da água e o solto quando
os caras tentam acessar o relógio para tirar a conta. Eu gosto de colocar uma
ratoeira armada dentro da caixa do correio para pegar os dedos do carteiro
idiota ao colocar a correspondência.
Eu sou um velho mau que nem um
pica-pau. Lambuzo o corrimão de graxa quando as velhas da família vêm visitar;
encho as empadas de pimenta malagueta para servir aos convidados e atiro
bombinhas de São João no quintal dos vizinhos de madrugada para acordá-los
apavorados.
Quando junto as minhas sobrancelhas
grossas e olho por baixo delas com um risinho irritante, já sabem que vou
contar o final dos filmes. No mercadão mordo as frutas e deixo no meio das
outras, sem comprar. Furo as embalagens de iogurte, bebo a metade e largo por
lá mesmo.
Eles me chamam de “o velhinho intragável
da casa 705”. E eu fico todo orgulhoso. Denuncio festinhas de aniversário de
crianças à polícia causando constrangimento aos pais e convidados. Passo trotes
para os velhos religiosos quando voltam da igreja aos domingos, blasfemando até
desligarem o telefone.
Eu
nasci velho e ranzinza. Sempre fui assim, excelente em encher o saco dos outros.
Fingia que ia atravessar a rua e voltava, e as pessoas que tentavam me seguir
tomavam susto por quase serem atropeladas. Os meus netos fazem terapia desde
pequenos por minha causa, de tanto que inventei de histórias de terror para
eles, que ficavam sem dormir, com medo. Talvez algum deles se torne um psicopata
indomável!
Estou contando isso apenas agora, no
leito de morte, como a minha maior maldade. Eu sei que vou para o inferno,
então prometo desde já retornar para puxar os seus malditos pés por toda a eternidade!
Ra, Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra!
Marcelo
Gomes Melo
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