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Entre a cantada e a morte


Ambos chegaram pontualmente à lanchonete na qual marcaram o encontro. Ele de calça de sarja bege, camisa polo listrada e sapatênis. Ela de vestido florido simples e sexy, pouca maquiagem e sandálias da moda.

Um cumprimento tímido, com direito a sorriso e um leve beijo no rosto (um risco alto na hierarquia do abuso). Dois refrigerantes, por enquanto. Ele tentava manter a calma e não suar como um porco. Ela parecia mais segura de si e tranquila.

Fora um parto conseguir aquele encontro. Levara meses ensaiando em frente ao espelho, pressionado pelos amigos que afirmavam que ela estava a fim, bastava um movimento dele. Então retrucava aos amigos, meio sem convicção: “se é isso mesmo, por que ela não toma a iniciativa?”, não existe mais isso de que o homem é quem deve convidar, é até cafona! E se ela se sentir ofendida e me acusar de misógino, machista, porco chauvinista e destruir a minha imagem pública no colégio e nas redes sociais, acabar com a minha vida, me transformar em um cidadão cancelado, atirado à margem da sociedade e sem opção de retorno pelo resto da vida?

A contra-argumentação era simples: você é um cara legal, não aparenta querer levar vantagem! Vai dividir a conta do cinema e da lanchonete, até do motel, se for o caso. Não falará sobre nada que lembre contato físico, não elogiará a roupa e muito menos olhará o decote! Se puder não cruzem os olhares. Converse olhando para a mesa e estará seguro.

E se ela achar que eu estou olhando para as pernas ou os pés dela? Posso ser denunciado como tarado! Use óculos escuros. Mantenha o capacete da bicicleta. Tudo acabará bem.

Ainda assim o convite foi feito indiretamente, sugerido por um casal de amigos de ambos. Passou noites e noites decorando o manual das garotas feministas; o que poderia ou não fazer, o que deveria ou não dizer.

Foi uma semana exaustiva. A felicidade de poder encontra-la, sufocada pelas regras de convivência do século XXI. Ainda bem que os óculos escuros impediriam que ela visse as olheiras. Hoje em dia era difícil lidar com uma pessoa do sexo oposto sem correr altos riscos de ser julgado e condenado por um mínimo deslize.

As garotas estavam no comando. Elas decidiriam se o rapaz merecia outra chance ou deveria ser queimado na fogueira da inquisição moderna das redes sociais.

Tudo correu razoavelmente durante o encontro. Ele tossiu bastante, gaguejou, tremeu... estava seguro por enquanto. Não pôde deixar de notar a beleza natural e a luz que emanava dela. Inteligente, linda e segura de si. E ele um mero verme covarde apaixonado, submetido às regras de um mundo ao qual não entendia, com medo primal de dizer à moça qualquer coisa lisonjeira.

No final do encontro, quando cada um pagou a sua parte e se preparavam para a despedida, a loucura se apossou dele! Um vírus incontrolável de agir como homem fez a sua garganta coçar e os seus olhos revirarem. Os seus joelhos baterem um contra o outro e um desespero que veio de dentro, e ele não conseguiu conter. Quando percebeu já havia dito, em forma de elogio:

- Você tem joelhos lindos!

- O que disse?!

Os olhos dele saíram da órbita e apertou o próprio pescoço com ambas as mãos. Não chegou a notar o sorriso afável e orgulhoso dela. Caiu estrebuchando no chão da lanchonete. A ambulância chegou, mas era tarde demais. Infarto. Morreu com 18 anos de idade. A causa: medo de amar.

 Marcelo Gomes Melo

Os enigmas que regem a existência humana


Se todos os instintos são os caminhos para a realização dos pecados, quem possui a espada da absolvição será o verdadeiro culpado pela disseminação de cada um deles, usando o instinto para absolver os enganos os quais surgem literalmente movidos a sentimentos passageiros, mas devastadores, que arrasam e destroem, deixando escombros como o rastro de um cometa à velocidade da luz, repetindo-se geração após geração, imparável, inevitável, inacabável.

Instintos são inseridos nas consciências como uma arma com o intuito de desequilibrar. De vez em quando estão certos e impelem às reações mais inesperadas, por desagradáveis ou desarvoradas que sejam, levando a términos terríveis e indiscutíveis.

Será destino do ser humano carregar os seus instintos mais secretos em uma batalha infindável na qual o vencedor decide o rumo da vida do vencido? E no caso da vitória dos instintos, uma vida de culpa arrastará o ser humano para o fundo, solitário e derrotado, sem argumentos ou armas para sobreviver?

E se, no entanto, o instinto for dominado com força de vontade e caráter, não permanecerá à espreita, lá no fundo, aguardando um deslize, obrigando o ser humano a viver em alerta todos os segundos de sua vida? Como isso pode ser considerado uma vitória?

O meio termo é uma existência monótona, covarde, sem riscos e sem ganhos; apenas o incômodo de sentir vontade e não ter coragem, de jamais ousar, relegado a uma inutilidade dolorosa, cheia de vergonha e fraqueza, antecessores dos ultrassensíveis que acabarão magoados por coisas fúteis, agindo pelas sombras como ratazanas sorrateiras até que sejam de alguma forma esmagados pelo tosco viver.

O dilema da vida é impossível de resolver, porque a duração da existência é diferente para cada elemento, e não anunciada. Seres humanos habitam um círculo vicioso no qual a curiosidade e a capacidade de regular ou não os instintos darão as respostas sobre quem será e por quanto tempo o será, e cada resposta acontecerá de surpresa, indubitavelmente tarde demais.

 Marcelo Gomes Melo

 

Caso de amor de horror

 

Incrível! Estávamos namorando há dois dias, e durante esses dois dias trocamos algumas palavras, bebemos muitas cervejas e nossos olhares guerrearam ousadamente, vorazes, canibais, por bastante tempo. Sorrisos tortos, silenciosos e toques com as costas das mãos, aparentemente acidentais.

Eu paguei a conta e saímos lado a lado, ombros colados. Paramos na calçada um momento naquela madrugada fria com alguma neblina, olhando para os dois lados da rua mal iluminada, até que segurei a mão dela e saí caminhando. Ela não se opôs, me seguiu docilmente. Quando entramos no meu prédio ela olhou em volta o ambiente silencioso, quase sem curiosidade, e entramos no elevador. Quarto andar. De mãos dadas alcançamos o final do corredor, meu apartamento número doze.

Enquanto o abria, ela me observava, com olhos sorridentes. Entramos. Ela bebeu água gelada, deu uma rápida inspecionada no local ainda com o olhar e veio atrás de mim para o quarto. Isso foi há dois dias. Poucas palavras, muitas mãos despindo um ao outro e explorando os corpos um do outro.

Estranhamente não houve gemidos de filmes pornô. Éramos silenciosos, cuidadosos e carinhosos. Cada toque era uma descoberta, cada beijo um sabor diferente. A cama era o nosso país particular, uma nave espacial utilizada completamente, em cada milímetro.

Não houve pedidos, exigências ou perguntas. Sabíamos o que fazer naturalmente e o fazíamos com rara sensibilidade. Repetíamos. Compartilhávamos água e sorrisos sem som. Os belos grandes olhos escuros com os quais me olhava eram hipnotizantes. Pareciam conter uma pergunta profunda, uma dúvida imensa que acelerava o meu coração, e me tornava esfomeado por conhecer e delinear um mapa secreto do seu corpo, que me daria, supostamente, algum alívio para a necessidade que eu tinha de possuí-la.

Com fome, sentamos nus nas cadeiras da pequena cozinha e comemos chocolate, miojo e sorvete, nos beijando nos intervalos, misturando sabores. No colo a carreguei de volta para a cama desarrumada, nossa nave segura para aprofundarmos as nossas necessidades de um prazer indescritível.

Por volta da madrugada do segundo dia, debruçado sobre ela, olhos nos olhos sussurrei roucamente, de forma quase inaudível: “Minha namorada”. E no mesmo instante, no mesmo tom, ela não hesitou em responder, ainda mais baixo: “Meu namorado”. Selamos o acordo com sorrisos abobados e beijos vorazes.

Ao amanhecer do terceiro dia adormecemos abraçados, cansados e saciados. Um sono sem sonhos, os corpos restaurados do estresse, das dúvidas e de qualquer tristeza. Um respirar saudável como há muito tempo não sentíamos.

Acordei por volta das duas da tarde na nave desarrumada. Esticando o corpo, com fome e vontade de sorrir. Finalmente falar, tentar colocar em palavras tudo o que foi vivido tão intensamente com ela, infindável, infinito, maravilhoso, um marco para uma vida. Duas vidas. Duas vidas em uma vida.

Ela não estava ao meu lado. Levantei e fui até o banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes, passei a mão pelos cabelos espalhados. Fui à sala vazia. Ao alcançar a cozinha eu já sabia que ela havia ido embora. Sem despedidas.

Uma sensação nova me deu vontade de chorar. Peguei água na geladeira e sentei em volta da mesa em que, há dois dias dividíramos iguarias. Então notei na mesa rústica de madeira, entalhada com a faca de cozinha, uma frase singular: “Namorados”. Ainda não sei da melancolia que sinto, não voltei ao bar em que nos conhecemos, segui a vida. As lágrimas noturnas limpam os olhos, mas não explicam nada. Coisa alguma.

 Marcelo Gomes Melo

 

Para ler e refletir

O momento em que não serão necessários

    Dói. E invade destruindo espaços fechados. Abertos. O silêncio dói. Tanto quanto o barulho irritante As palavras malditas, urrad...

Expandindo o pensamento