-
O fato é que você precisa parecer mais amável com as pessoas, sorrir mais,
fazer brincadeiras, contar piadas, conectar-se melhor com os seus
subordinados...
-
E eu não faço isso?!
-Você
é o homem mais gentil e engraçado que eu conheço, mas a pose de mau que mantém
para os outros os torna assustados, com medo do seu olhar frio, a cara fechada,
as poucas palavras.
-
E isso os assusta?!
-
Claro, você tem a compleição física de um lutador de MMA e um rosto se um super-herói
dos quadrinhos. Esse seu tom baixo de voz, gutural, tétrico, soa como
desconfiança, até como ameaça. Por que não tenta ser mais comunicativo,
capitão? Isso irá ajudar bastante.
-
Vou tentar, doutora.
-
Lembre-se, faça brincadeiras, pregue peças, deixe-os relaxar um pouco. Sem esse
medo aterrorizante do chefe eles renderão mais, comandante.
-
Está bem, doutora, pode deixar.
A
psicóloga se despediu e afastou-se do capitão da unidade de crimes violentos,
observada por todos os outros agentes por causa da beleza incomum e confiança
que emanava dela.
-
Quem é aquela gata maravilhosa, capitão? Que coisa mais linda! – era um agente
novato metido a engraçadinho, falastrão, mas sem maldade.
-
É a minha mulher. – Foi a resposta seca, voz rascante. Nenhum sorriso.
-
Oh! Sinto muito, capitão, não quis ofender, eu não sabia. Pode me perdoar?
-
Sim. Mesmo assim você vai morrer.
-
O quê?!
-
Diga a ele que se despeça dos parentes o mais rápido possível – dirigiu-se ao
detetive ao lado do novato – Amanhã ele vai passar dessa para melhor.
Afastou-se
com um sorriso frio no rosto, deixando o novato branco e em desespero.
-
O que eu faço, detetive, ele vai me matar?
-
Eu nunca o vi dizer uma coisa e não cumprir. Se eu fosse você fugia daqui
enquanto é tempo. Tem muitos parentes de quem se despedir?
O
homem saiu completamente fora de si, tomado pelo medo de morrer por uma
brincadeira fora de hora. Ele e a sua grande língua!
Não
teve coragem de ir para casa despedir-se da esposa e dos filhos, então foi ao
bar encher a cara e pensar em uma forma de escapar. Duas horas depois, duas
garrafas de pinga vazias depois, ficou corajoso. Decidiu ir com tudo para se
defender; matar antes de morrer.
Dirigiu-se
ao depósito de armas e pegou quatro revólveres carregados, uma espingarda doze
cano cerrado, munição, uma faca karambit de luta corpo a corpo, algumas
granadas... Estava pronto para defender a própria vida contra o comandante que
o havia ameaçado. Alcoolizado e corajoso, planejou espera-lo em uma tocaia no
estacionamento. Assim que o visse jogaria duas granadas e descarregaria as
armas. Depois, para ter certeza cortaria o corpo em pedaços e dissolveria no
ácido. O que sobrasse depositaria em uma urna de ferro e jogaria no fundo do
mar.
A
madrugada fora longa bebendo e ruminando a estratégia contra o comandante
rígido que o mataria por ter elogiado a esposa sem saber. Era matar ou morrer!
E o homem não era brincadeira, nunca fora visto com piadas ou gracinhas. Fazia
o que tinha que fazer, por isso era o chefe. Morto ele já estava! Para
sobreviver valia qualquer coisa.
Todo
paramentado, com botas, uniforme camuflado, capacete e luvas resistentes
aguardou. Quando, por volta das nove da manhã o capitão chegou, tranquilo, com
as mãos nos bolsos, sem armas à vista, imaginou que seria pior do que
imaginava. O homem iria estrangulá-lo!
Com
a coragem reforçada pelo álcool correu cambaleante em direção ao comandante com
a granada na palma da mão, gritando desajeitado; puxou o pino e tentou atirar a
granada, mas algo não deu certo. A granada ficou grudada na luva e, antes que
desse mais um passo virou massa de tomate espalhado por todo o estacionamento.
Houve
uma comoção geral e quando a psicóloga chegou com o detetive que acompanhara a
conversa no dia anterior, o capitão tomava um café recostado ao batente da
porta observando a bandalheira.
-
Capitão, por que o ameaçou de morte?!
-
Como assim, doutora?!
-
O detetive estava como testemunha. Você o mandou despedir-se da família porque
hoje iria mata-lo.
-
O quê?! Foi uma brincadeira! Você não recomendou que eu fosse mais maleável com
os meus subordinados? Então... Ele perguntou quem era a gata que estava indo
embora referindo-se a você, doutora.
-
Sim? E o que disse a ele?
-
Que era a minha esposa, e ele iria morrer pela falta de respeito. Teria um dia
para despedir-se da família e amigos. É lógico que era uma piada! – a dupla o
encarou aterrorizada – Não foi boa?!
Moral
da história: senso de humor é algo muito pessoal, pode causar mal-entendidos
como aquele. O comandante seguiu à risca a sugestão da psicóloga e, mesmo assim
deu tudo errado.
Marcelo
Gomes Melo
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