O
Arauto da destruição – Parte final
A saga do Arauto destruidor de países e contaminador de sociedades é apenas ficção. Qualquer semelhança com fatos reais ou parecidos é mera coincidência. Daqui pra frente apenas os Devastadores da idade moderna.
Manuel Diego se adaptou
ao frio e à rigidez dos soviéticos. Ganhava competições de ingestão contínua de
vodca por dias a fio tranquilamente; aprendeu artes marciais socialistas e
infiltrou-se na política nuclear no auge da guerra fria.
Quando souberam que Manuel Diego havia adquirido mísseis
nucleares no mercado negro, levaram-no aos porões da KGB e do Kremlin para
interrogá-lo e o machucaram com as piores torturas soviéticas já inventadas.
Mas ele resistiu. Resistiu e devolveu a tortura à altura, cantando em altos
brados pérolas do sertanejo universitário 24 horas por dia até que os
torturadores capitularam e o amordaçaram. Insuficiente, porque através dos
olhos ainda lembravam-se das amaldiçoadas músicas, então optaram por vendá-lo
também.
Os soldados soviéticos o deixaram em uma prisão mista por
uns dias, enquanto pensavam no que fazer com ele. Temiam matá-lo e depois terem
que conviver com o seu fantasma para sempre! Manuel inventou uma bebida
alcoólica mais forte do que vodca, com batatas, pimenta malagueta e gás
encanado, capaz de derrubar mamutes. Bebendo com uma lésbica de Leningrado
durante uma semana sem interrupção, jogando baralho, acabaram transando
violentamente. Conseguiram fugir do local dias depois, com a posse de mísseis
nucleares poderosíssimos. O plano? Acabar com a União Soviética como a
conheciam, transformando-a em dúzias de novas nações, faturando bastante
dinheiro e adquirindo poder absurdo durante a transição.
A lésbica, forte como
um touro, lutadora de sambo, 1,85m de altura e cem quilos de músculos com a
ferocidade de um tigre viciado em crack, quando descobriu que estava grávida se
tornou um trem desgovernado de ódio e partiu para cima de Manuel Diego
disposta a destroçá-lo com uma marreta em uma mão e uma faca de destrinchar
hipopótamos e jacarés, afiadíssima, na outra. Lutaram o equivalente a 30 rounds
de luta livre, vale tudo, sem que ninguém tivesse a coragem de separar. Manuel
venceu a batalha quebrando-lhe os dois braços em três partes cada e as duas
pernas, mas teve a clavícula deslocada, um dos punhos macetados, inúmeros
cortes profundos pelo corpo e uma concussão cerebral que o deixou meses na UTI.
Precisou, nesse período, transplantar o fígado.
Embora tentasse suicídio por 18 vezes no período de
gestação, a lésbica não teve sucesso. Foi obrigada a dar à luz a Manuel
Fernando Lulovitch, um bebê afetado psicológica e fisicamente por todos os
excessos cometidos pela mãe, inclusive a rejeição contra ele.
Lulovitch cresceu observando os meandros políticos da União
Soviética, e a participação dos seus pais no processo de extinção dos países da
união socialista, o que rendeu ainda mais poder e dinheiro para a família.
A Rússia, a mais poderosa das novas nações pós-separação
decretou o exílio de Manuel Diego, sua parceira lésbica e o jovem Lulovitch
para a Sibéria, todos com algemas nos pulsos e uma bola de ferro em um dos
tornozelos, com a missão de quebrar pedras pelos próximos 50 anos.
Lulovitch cresceu nesse
clima de frio extremo, sem ver ou sentir o sol, apenas neve e escuridão. Ele
era o espécime mais curioso da família, física e intelectualmente. Alto, forte,
cabelos brancos e compridos; pele rosada e olhos brancos, Lulovitch era albino.
Parecia uma estátua de gelo, mal murmurava uma frase inteira por entre os
dentes. O único sentimento que conhecia era ódio. Odiava aos pais e não sentia
absolutamente nada pelo resto dos seres com os quais convivia através dos anos
na Sibéria, os bandidos mais perigosos do mundo, que se tornaram uma “família”
sob o comando de Manuel Diego, o capo siberiano do que ficou conhecido como a
“Máfia do gelo”. Mesmo dali, o “portugaleiro”, português brasileiro mais
internacional já conhecido comandava ações de terror pelo mundo. Dizem as más
línguas que faturou alto treinando os soldados de Bin Laden na arte de morrer
sem sentir dor; as línguas geladas comentavam à boca pequena que vendia urânio
para os chineses, iranianos e iraquianos.
Lulovitch cedeu DNA para a produção de vírus letais que
visavam banir continentes do mapa iniciando a batalha biológica mundial. Só aos
trinta anos de idade foi autorizado pelo pai a sair da Sibéria com a missão de
espalhar o terror pelo mundo. Em um trem cargueiro cheio de africanos, era o
único que destoava, pela cor e pela atitude. Foi a primeira vez que viu fêmeas
da espécie, já que até os trinta aprendera os artifícios sexuais transando com
ursos polares, baleias, focas e pinguins.
Manuel Fernando Lulovitch comeu muitas africanas naqueles
vagões até chegar ao continente africano, local de clima completamente
diferente ao que estava acostumado. Foi lá que aprendeu a usar óculos escuros e
cobrir o corpo inteiro de tecido leve e branco de dia, e preto à noite. Comprou
um chapéu idêntico ao de Indiana Jones, e passara a usar continuamente.
Durante sua estadia nos países islâmicos passou a ser
temido e apelidado de “o capeta transparente”, pela maldade, frieza e cor da
pele. Ganhou dinheiro no mercado negro contrabandeando carne de porco; para não
ser eliminado pelos fanáticos religiosos aos quais treinara decidiu partir para
a Índia, onde passou a organizar churrascos matando as vacas sagradas e requisitando cientistas indianos para
realizar experiências aterrorizantes envolvendo alienígenas. Lulovitch queria
realizar mais coisas do que os norte-americanos, quando, no pós-guerra mundial
contrataram os cientistas nazistas para continuar a fazer as experiências
medonhas que fizeram para Hitler.
Na Austrália, com
quarenta anos e ódio pela vida intacto, Manuel Fernando Lulovitch teve um filho
com uma anã aborígene, e sem emoção alguma informou à mãe que o levaria ao
Brasil, onde teria participação política decisiva nos anos vindouros. Quando a
mãe esboçou uma reclamação, ele a estrangulou usando apenas uma das mãos; jogou
o filho dentro de um saco de estopa e pegou um jato particular. Destino:
Brasil.
Vinte e quatro horas depois pousou no nordeste brasileiro,
tomando contato com o império da família na área da corrupção e da lavagem de
dinheiro. Para a área alimentícia das empresas da família, Lulovitch contribuiu
com uma versão light do que comera nos vagões africanos, além das mulheres:
feijoada. A diferença é que seu invento foi uma adaptação do original; feijoada
light, com feijões brancos, pedaços de mandacaru, caroços de manga e castanha
de caju em vez de carne.
No nordeste o filho cresceu bebendo cachaça na mamadeira e
comendo carne de jegue com pirão e rapadura. Aos doze anos aprendeu a fumar
charutos cubanos e a brincar com a peixeira, espetando-a entre os dedos da mão
espalmada sobre uma mesa de madeira com a maior velocidade possível, bêbado de
cair, e com excelente destreza. No processo acabou por perder um dedo, mas
virou expert no manejo da arma branca.
Aos dezessete perguntou ao pai pela mãe. Foi a primeira e a
última vez. O pai contou a verdade. Estrangulara a sua mãe porque ela não
servia para nada.
- O senhor é cruel! – Lulinha retrucara, sem emoção na voz,
sem parecer horrorizado ou surpreso.
- Cruel foi sua maldita mãe, que não lhe abortou – foi a
resposta gélida do pai, sem sequer desviar o olhar para enxergar o filho.
Lulinha jamais perguntou pela mãe.
Um dia foi retirado de um forró no qual arrasava, conhecido
como Lulinha nove dedos, o terror da terra vermelha; estava suado de tanto
dançar de alpercatas, levantando o poeirão no chão de terra, ao som do
triângulo e da sanfona, comendo buchada e derrubando barris de cachaça. Era o
dia do seu aniversário de dezoito anos.
O pai requisitara. Era uma ordem. Lulinha agora era um
homem macho maxixe doce, plenamente treinado pra seguir seus passos e buscar o
enriquecimento sem precisar da família. Naquela noite mesmo seria despachado
para São Paulo em um pau de arara, com a roupa do corpo e uma trouxa amarrada
num cabo de vassoura contendo farinha de mandioca, rapadura e cigarros de
palha. No bolso, dinheiro suficiente para sobreviver por um ano. Lulinha não
disse nada. Não queria morrer nas mãos do pai.
Antes de se afastar, o pai murmurou sem olhar para ele:
- Lulovitch, amaldiçoado safado, vá para São Bernardo e mude
o destino desgraçado desse país.
E ele foi.
Marcelo
Gomes Melo
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