Meu
pecado favorito
Em um banco no centro
da estação de trens, com meu violão e meu sobretudo guerreiro por cima de uma
camiseta branca com a Marilyn em grafite mandando um beijo para o mundo, com
meu amigo estranho de gravata escura e chapéu de feltro, óculos aro de tartaruga,
observando as pessoas que transitam apressadas pelo recinto. Por trás dos meus
óculos escuros posso encantar uma loura oxigenada, que, falando ao smartphone
jamais irá focar a atenção em mim, nem por um instante.
O meu amigo ajeitado parece um personagem de um filme em
Chicago, anos 30, com seu chapéu e gaita no bolso, tentando encantar com um
sorriso torto a uma morena bonita encostada em uma banca de jornal, mala ao seu
lado e que jamais sorri. Esperando.
Com o cotovelo lhe chamo a atenção para uma bela negra que
passa, bamboleando com charme, os olhos
à frente e uma cadência capaz de acabar com a tristeza. Tudo num estalar de
dedos. “Ela olhou pra você”, eu comento; sorrindo encabulado ele rejeita a
ideia e diz que ela olhou foi pra mim. Mas a garota segue seus passos, e
confirmamos conformados que a vida é mesmo assim.
Se eu tocasse guitarra,
se o blues da gaita dele tocasse os corações... Teríamos muito mais sorte com
aquelas beldades. Ele me dá um chiclete e comenta, sem ódio ou inveja, apenas
melancolia: “Cara, se nós fôssemos só um pouquinho bonitos...”.
Eu quero ser um dinossauro! O mundo todo é coelhinho. Gosto
de cores escuras, mas o vermelho é tão atraente sob o vestido da pequenininha
de cabelos em cachos!
Nós somos homens de aço. Amigos que amam aquelas belas
mulheres e ignoram o âmago de suas vidas, acreditando que o futuro pode ser bem
melhor. O meu amigo deseja ser apenas alguém de quem as pessoas se orgulhem,
enquanto eu preciso apenas de qualquer uma que goste de mim.
A solidão é tão suave, se alastrando sem fazer alarde por
entre as falhas na distância entre os corpos, enquanto a felicidade é astuta e
nem sempre está no local em que o barulho acontece. É tão contundente a maneira
como ambas atingem pobres garotos do interior querendo ser super heróis, e a
vida não pertence a ninguém.
Nós dois queremos ser
ricos, ditar as regras no espaço, mas o espaço em que nos vimos ser confinados
é cada vez menor! “Eu beijaria a ruiva e deixaria a loirinha com cara de
ingênua pra você”.
Ele diz que teria sorte se fosse Bon Jovi, mas eu acho que
seria pop demais; melhor investir mais alto para ser amado por todos. O meu
pecado favorito é sob a saia da garota comum da bomboniere, de coxas grossas.
Isso arranca sorrisos do meu amigo e restaura a realidade das coisas. Ele empunha
a gaita e levanta-se; eu com o violão apoiado nas pernas. Tocamos Couting Crows
na estação, notados por ninguém.
Essa vida é um poço de amargura embalado para presente com
fitas coloridas, mas não desistir é o mantra dos desmemoriados. Então, lá vamos
nós!
Marcelo
Gomes Melo
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