Pacatos cidadãos da
civilização pós-nuclear do nosso
altaneiro país, venho hoje aqui, despido de orgulho e repleto de
humildade ante a vossa valorosa e digníssima presença, atrapalhar a vossa
importante concentração matinal a caminho de seus trabalhos honestos que lhes
garante a sobrevivência tranquila acima da linha da pobreza atual, o que lhes
coloca hierarquicamente em posição dominante sobre a casta dos miseráveis
excluídos sem razão de viver, à qual me incluo.
Irmãos da bondade infinita, é confiando nessa
característica especial inerente às vossas pessoas que me coloco aqui, nesse
aerotrem especial, em pé em frente às vossas pacíficas e inteligentes faces,
sem vestimenta especial e muito menos aparelho para reposição de oxigênio
reserva, para o caso de alguma falha no casco da nave colidindo com algum
meteorito nessa viagem matinal à lua, local em que vocês, com tanta capacidade
realizam seus portentosos trabalhos, de importância vital para a colonização do
satélite, possibilitando que mais planetas sejam descobertos, colonizados e
mais moradias para os mal aventurados como eu.
Caros terráqueos de
família milenar como a minha, mas que conseguiram adequar vossas capacidades às
novas necessidades com destreza e merecimento nesse século XXXVI, pós Era dos
pastores dignitários presidentes, ao contrário de mim, pobre coitado de casta
inferior a quem a sorte não bafejou e hoje apela para vossos corações de
titânio de última geração, que lhes proporciona viver bem mais e melhor, por
bombear pelos seus corpos saudáveis sangue e micro-organismos de regeneração
constante das células, que me ouçam por mais alguns macro segundos lunares, o
que nessa órbita equivale a uns sete minutos na contagem antiga de tempo.
Senhoras e senhores da diretoria plasmática sensorial,
pretendo afirmar aqui, tocando com a palma da mão direita no aparelho detector
de mentiras espacial instalado em cada um desses trens espaciais por nosso
amado governo, entendido na arte de mentir e na de detectar a mentira alheia,
que sou honesto, trabalhador, pai amoroso e marido colaborador; caridoso e
fanático doador de boa percentagem do que consigo amealhar como prova de fé e
camaradagem.
Eu sou engenheiro de
formação. Desempregado ainda antes da Quarta Guerra Mundial, após curtir o
seguro desemprego do nosso amado governo tentei formar minha micro empresa de
carrinhos de cachorro quente, mas fali quando o governo proibiu o uso de
proteína animal e derivados, bem como o glúten; além disso, os carrinhos não
podiam atrapalhar a circulação pela calçada dos três trilhões de habitantes da
Terra à época. Entendi, e falido, durante a guerra fui motorista de ambulância
no front, carregando soldados vitimados pelos gases venenosos inimigos, usando
apenas luvas de boxe e uma máscara de gaze. Eis a razão pela qual tenho uma perna
paralisada, perdi o olho e minha voz soa ligeiramente metálica, graças ao
dispositivo que recebi do INSS para instalar na garganta e recuperar
parcialmente as cordas vocais.
Pois bem, irmãos amigos, nada disso me parou, e hoje estou
aqui dignamente lhes pedindo uma valiosa colaboração e ajuda para sustentar
minha família, adquirindo essas balas e chicletes de legumes frescos, sem
açúcar ou sal, maléficos à saúde, contendo o elemento magma 12, retirado dos
vulcões do planeta Vênus e que ajudam a polir os dentes de ossos de
brontossauros jovens inquebráveis da lua de Saturno que todos vocês usam e que
os fazem tão belos! Tenho também chocolate azul sem cacau ou aditivos que
prejudiquem a visão, com flocos de jiló puro. Aceito cartão de crédito e
dinheiro vivo. Tenho gaiolas para manter o dinheiro vivo confortável em meu
bolso, não se preocupem.
Quem puder me ajudar, Deus abençoe; quem não puder, abençoe
da mesma forma. Saibam que lhes desejo em dobro tudo o que tão gentilmente me
desejarem. Logo,logo serei ejetado para o próximo meteoro terminal de trens,
então me despeço emocionado com a vossa contribuição. Fui!
Marcelo
Gomes Melo
Amigo Marcelo, sinceramente fiquei pasmo, e apaixonado pelo testo, maravilhoso. E quem sabe num futuro não muito distante tudo isso poderá ser uma realidade, triste, mas real.
ResponderExcluirParabéns mil vezes.
Grande abraço!
Assustador, Marcelo!
ResponderExcluirAinda bem que eu já morri quando esse tempo chegar... chegar!?... Bolas, chegou...
Adorei. Abraços.
Aurélio, meu amigo, acho até que peguei leve e o futuro estará mais ou menos como está hoje. rs...A verdade é pode ser muito pior! Agradeço a sua gentileza eterna!
ResponderExcluirSinto discordar, Luísa, mas você é imortal! Rs... Suas idéias e ideais permanecerão através de suas poesias e textos, incutindo esperança num ambiente caótico. Rs. .. Valeu!
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