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Lenda urbana III: Jerimum e a Doidinha do Shopping Center


         A Doidinha era uma garota aparentemente comum, magra, baixa, de seios pequenos, quadris estreitos, olhos enormes como um personagem de mangá, os cabelos cortados curtos, estilo Maria homem. Essas características lhe davam um aspecto bem mais jovem do que realmente era.
          O que não era comum é que ninguém jamais conseguia ver completamente o seu rosto, a não ser que se transformasse em uma de suas vítimas. E esse olhar era o último antes de garantir a passagem só de ida para as profundezas dos infernos...

          A nossa doidinha era uma menina inocente nascida no interior de Minas Gerais que até os treze anos de idade jamais havia visto o mar. Tímida, nunca levantava os olhos para falar com alguém, sempre exibindo aquele sorriso abobado dos inocentes. Era hiperativa, não parava quieta. Vivia correndo de um lado para outro, tropeçando nas coisas, mexendo, tirando do lugar, derrubando...
          Aos treze foi morar no Rio de Janeiro com os tios ricos no Leblon. Viu o mar pela primeira vez e ficou encantada. A tia lhe comprou batom e alguns biquínis floridos, sexy, e soltou a doidinha sob o sol carioca, com espaço na praia para correr e se bronzear.

          A menina falava pouco, mas corria muito pela praia, sorrindo bastante, driblando as cadeiras de praia com agilidade, chupando picolé... Uma representante da felicidade; com o mar em si, ela mantinha certo respeito. Não gostava de ir além de molhar os tornozelos. Temia o mar.
          No fim da tarde saía da praia e se preparava com esmero, sempre de shortinho colorido e top para ir ao shopping. Tinha uma aparente vida social intensa, sem ter amigos, conversar com qualquer pessoa. Estava sempre no bolo, sorrindo, dançando, circulando, sem falar com pessoa alguma. Era conhecida por todos, mas ao perguntar se já ouviram o som de sua voz, a resposta seria “de jeito nenhum”.

 

           Cinco anos depois já podia ser considerada uma ratinha de praia e shopping, conhecendo os meandros tanto de um quanto de outro lugar.  Foi nessa época que ela conheceu Jerimum, um paraibano musculoso, lutador de jiu jitsu, baixinho troncudo que tinha várias tatuagens de seus ídolos da família Gracie no corpo.

          Jerimum também falava pouco, rezava muito; nordestino introvertido que treinava muito para ser um astro do MMA. Não tinha família e vivia na praia, de sunguinha branca, treinando na areia. À noite ia para o shopping passear, tomar açaí, sempre sozinho. Ele e a doidinha se esbarraram nos corredores e dali nasceu uma amizade especial, com pouco papo, muito sorriso e bastante isotônico e treinamento duro, porque Jerimum passou a treiná-la nas artes marciais. A doidinha ficou forte e ainda mais veloz, uma potência letal das lutas, mas manteve-se ingênua e de coração bom, porque Jerimum assim o era.
          As agruras da vida começaram por bobeira. Um garoto surfista, conhecido como Alemão, cabelos loiros e longos, ensebados e emaranhados, de tronco largo, mas pernas finas, gente boa que entrou na fila do equilíbrio sobre a prancha muitas vezes, mas esqueceu de ir à fila do cérebro, sempre que encontrava com Jerimum o chamava para pegar uma onda. Jerimum não gostava de água, viera da terra seca, nem sabia nadar, então abaixava a cabeça e nunca dizia nada.

          Um dia, o garoto surfista perguntou, na frente da doidinha, se ele, um nordestino fortão e cabra macho do MMA estava com medo de pegar uma simples onda e acabar tomando uma vaca na frente da namoradinha. A doidinha o segurou pelo braço, com expectativa e preocupação, mas nada falou, como sempre.
          O surfistinha sorriu debochando e começou a caminhar com a turma em direção ao mar, mas Jerimum endoidou. Foi atrás e tomou a prancha das mãos do surfistinha, correndo decididamente para dentro do mar, em busca da onda perfeita, enquanto todos berravam e a doidinha observava apavorada.

 

           Jerimum, macho desbravador que não tinha medo de nada, começou a golpear as ondas como numa luta de vale tudo, achando que venceria pela força, mas a cada metro mais fundo, mais era arrastado e bebia água salgada com xixi e coliformes fecais. Nunca surfara antes, e não seria dessa vez que o faria. Cansado, as forças foram o abandonavam e Jerimum largou a prancha e começou a abanar os braços, desesperado, enquanto afundava aperreado.

          A doidinha, sem medo correu para o fundo do mar, tentando buscar Jerimum; outros surfistas também tentaram salvá-lo, mas Alemão permaneceu na praia, de longe, sorrindo da burrice do paraibano.
          Nenhum dos dois se salvou. Morreram afogados, Jerimum e a doidinha, e só foram encontrados dias depois em outra praia, os corpos inchados, caranguejos saindo de dentro das bocas e vermes dos olhos, substituindo  os globos oculares.

          A tragédia rendeu muitas matérias nos jornais e entrevistas nos programas “mundo cão” das tevês. Todos tiveram seu minuto de fama, inclusive Alemão, o surfistinha, que informou à jornalista que Jerimum tomara sua prancha, e ele nada pudera fazer contra o bad boy lutador.
          Naquela noite um vento gelado percorreu toda a praia, à meia noite. Apesar do calor absurdo de 40 graus, por quinze segundos as pessoas pensaram estar na Islândia.

          Justamente naquele instante, Alemão saía da última sessão de cinema no shopping, sorridente e tranquilo. Acabara de assistir ao blockbuster “O último suspiro”.
          Antes de dar o fora entrou no banheiro, espalhou os cabelos, sorrindo para o espelho. Abriu a porta de um dos banheiros. Um vento gelado percorreu o ambiente, enregelando-lhe até a alma. Alemão se encolheu, batendo os dentes, amaldiçoando o ar condicionado do shopping. Ficou com dificuldades até para respirar, uma névoa escapando por sua boca entreaberta, os lábios roxos. Deu um passo para trás e pensou ter visto um vulto pequeno e escuro, muito veloz para ter certeza. Um sorrisinho baixo e maligno o fez estremecer. O vulto passou por ele dançando, como um bólido. Seus olhos se arregalaram e seus dentes se arreganharam do mais puro medo.

          O fedor que atingira seu nariz em cheio era fruto das necessidades naturais se manifestando, escorrendo pelas suas pernas finas; Alemão defecara. O que ele acabara de ver foi a doidinha, girando em torno dele sem parar, à velocidade da luz. Tremia de medo, o surfista, a voz não saía! Por dez segundo ela parou e segurou seu rosto com os dedos frios e compridos em garra, colocando o rosto a centímetros do dele. Os buracos em que deveria haver olhos mostravam-lhe o porão dos infernos em chamas; do nariz, vermes saltavam, penetrando em sua boca e orelhas.
          De repente, um golpe seco na canela. Dobrou-se de dor, mas não emitiu som algum. Fratura exposta. Uma mão gelada agarrou-lhe a nuca e o atirou para dentro do banheiro com violência. Bateu a cabeça no vaso sanitário, abrindo uma enorme brecha. Sangue negro escorreu abundantemente. O nariz quebrou enquanto a poderosa mão em sua nuca insistia em golpear o vaso sanitário com sua cabeça. Um crac e o joelho da outra perna partiu-se, inutilizando ambas as pernas. Dentro do banheiro um verdadeiro fog londrino; fumaça branca e gelada.

 

            A cabeça ensanguentada foi mergulhada no vaso, a água invadindo-lhe a boca, as narinas estouradas e enchendo-lhe os pulmões. A sensação de morte que lhe acometeu foi tão completa, que ele achou que encontraria a paz. Mas, paz não era o seu destino. A mão puxou seus cabelos, arrancando sua cabeça de dentro do vaso. Ouviu um sussurro inocente em sua orelha sangrando, que dizia: “Esse é apenas o seu ticket para o inferno. Vai sofrer por toda a eternidade”...
          A partir daí mãos potentes o espancaram sem dó, com força total. Foi impiedosamente moído de pancadas! Seu último suspiro foi um engodo. Morreu aqui na Terra, mas seu sofrimento mudou de nível. O cheiro de carne queimada; os urros de dor; o som de sangue se esvaindo e secando imediatamente. Socos, Murros. Porrada. Dor. Para sempre!

          O dia seguinte no shopping foi de horror indescritível. Mais jornalistas e programas sensacionalistas pressionando a polícia, querendo saber como uma morte daquelas ocorrera em um shopping sem que ninguém notasse. Não havia sequer um osso inteiro no corpo do garoto. Parecia uma minhoca esmagada. Especialistas disseram que foi o maior sofrimento sentido por alguém em todos os tempos. Moído de pancadas, afogado, inúmeras paradas cardíacas...
          Até hoje a Doidinha busca vingança pela morte de Jerimum. Conta-se que ambos costumam aparecer nos banheiros dos shoppings após a última sessão de cinema. Aí tudo pode acontecer!
 

Marcelo Gomes Melo

Um comentário:

  1. Ainda bem que eu, para além de cética já não tenho paciência para ir ao cinema na sessão da meia-noite! rsrsrs...

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