Metrô cheio às seis da
tarde. Calor. Felizmente o ar condicionado funciona, dessa vez, e o condutor o
mantém ligado. A viagem é longa, em torno de quarenta minutos até o destino
final, e nada melhor a um observador contumaz da natureza humana do que verificar,
como passatempo, as reações dos passageiros ao redor, cada um deles com seus
problemas, ansiedades, alegrias e particularidades.
Pelo horário, o vagão lotado continha uma amostragem boa
dos componentes de uma sociedade metropolitana: estudantes, trabalhadores,
aposentados, desempregados, jovens, idosos, adultos... Um verdadeiro extrato do
que é uma cidade grande.
Em comum, uma grande quantidade de pessoas, em pé ou
sentadas, manejando seus smartphone com destreza, absortos em seus jogos,
conversas virtuais, vídeos, música ou tudo isso ao mesmo tempo, completamente
alienados ao que acontece à sua volta. Parece que as pessoas andam
desconectadas de sua humanidade, atualmente.
Alguns ainda trocam algumas palavras entre si, num arremedo
de conversa; geralmente usam palavras de baixo calão em cada frase incorreta,
como se lhes faltasse vocabulário para uma conversa amena através do uso
informal da língua sem recorrer ao linguajar chulo, ofensivo a quem não gosta e
nem precisa ouvir aquele tipo de conversa.
Uma pessoa ousava ler
um livro! Sim, uma jovem, em pé, equilibrava-se entre a bolsa e o livro e,
tranquilamente lia, não importa se de autoajuda, física nuclear ou romance. Ela
estava lendo! Adquirindo conhecimento! Uma flor entre os espinhos, incólume,
reafirmando a convicção dos esperançosos de que ainda há salvação para que a
história do mundo continue. Ah, ela afasta os cabelos por um segundo, deixando
entrever o fone de ouvido... Mas, tudo bem, pelo menos ela estava lendo,
também.
Por fim fixei a atenção em uma mulher de meia idade,
próxima à porta. Uma pessoa comum, vestida discretamente, sem maquiagem e com
os cabelos um tanto maltratados, claramente por falta de tempo ou de motivação,
como tantas outras mulheres trabalhadoras com filhos, casa e família para
cuidar. E sem ser feia!
O que despertou a atenção foi algo em seu olhar distante,
sem brilho, quase revelando pensamentos rotineiros misturados a cansaço físico,
desânimo com a vida. Apenas existindo. Seus lábios, selados, sem vontade alguma
de entreabrir-se, fosse para falar, sussurrar ou meramente roçar a língua sobre
eles, umedecendo-os. Se alguém lhe dissesse, naquele momento, para sorrir,
provavelmente receberia de volta uma expressão de espanto, como se
desconhecesse o significado da palavra.
Aquela melancolia enternecedora me atingiu em cheio. As
pessoas andam abdicando de viver em comunhão para viver em conexão. Cada vez
mais se afastam de outros seres vivos e presentes em troca de comunicação
instantânea, mas inerte, na qual o contato faz falta e enlouquece. Até que
deixe de ser importante e nos tornemos ciborgues de carne e osso, sem emoções, que
de tanto serem internalizadas acabem se perdendo em algum lugar dentro de nós,
sem volta.
Causou-me uma vontade
gigantesca de me aproximar daquela desconhecida tão sozinha na multidão,
oferecer-lhe um sorriso e a minha melhor frase: “Não se preocupe, tudo vai dar
certo!”, parodiando Bob Marley. Talvez isso melhorasse o humor dela. E o meu.
Enquanto pensava, parte da população que sou, entre ir ou
não ir, respondi a mim mesmo, “melhor não”.
O metrô parou na estação, as portas se abriram e ela sumiu
na multidão. Para sempre. Levou consigo parte da inquietação do mundo. A outra
parte ficou comigo.
Smashing Pumpkins
Marcelo
Gomes Melo
Enquanto quase todos se embrenham na e-solidão, muitos ainda vivem seja no prazer da leitura ou na angústia da vida. Mas vivem.
ResponderExcluirAbraço.
Li tudo.
ResponderExcluirTudinho...
Cerrei os olhos e tentei imaginar a cena...
Marcelinho,
Gosto dos seus textos, quando eles revelam a alma e seus mais profundos sentimentos.
Belo texto, em que pese à tinta de melancolia... faz parte da alma do poeta.
Parabéns.
Como prenda, te envio um beijo na testa. Rsrs
Bom final de semana.