Todos
eles se atiram quando ela passa, cada um à sua maneira. Mudam de sexo na
esperança de chamar a sua atenção. Currículos são apresentados, uns tentando
riqueza, outros força de trabalho, outros atenção e carinho... E aqueles que se
propunham deixar escravizar pelo resto da vida, apenas para desfrutar do seu
convívio fenomenal.
O
que viam era o que os estimulava, então imaginavam a melhor das existências ao
lado daquela figura deslumbrante de sorriso perfeito, olhar hipnotizante,
lábios convidativos de onde escapava uma voz sublime, macia como travesseiros e
promissora. Aquele andar que parava inúmeros corações, de quadris largos e
cintura fina, pernas fortes, bem torneadas tendo por base pezinhos bem
cuidados, pequenos e lindos.
Os
seios arfavam deliciosamente enquanto ela respirava, deliciosamente, subindo e
descendo como uma cavalgada sobre a relva, montada no garanhão mais bem tratado
do aras, aquecidos pelos raios de sol que surgiam por entre os seus fartos
cabelos. Era uma espécie cujos deuses destruíram a fôrma e esqueceram a fórmula
após cria-la, o que a tornava única.
Justificava
toda aquela adoração com olhares lascivos, sorrisos pecaminosos, promessas que
pairavam no ar e jamais seriam cumpridas. Ela dominava os jogos e as artimanhas
do amor em toda a sua essência. Sabia usar toda aquela devoção em proveito próprio,
deixando aqueles que jamais se aproximariam dela com um gostinho na boca e nos
cérebros, mesmo que irreal. E todos voltavam para casa com a sensação de que
realmente a haviam possuído, e isso durava uma vida.
O que não sabiam era
que, nos bastidores, quando as cortinas se fechavam, derramava-se sobre ela
todo o peso de fingir ser quem não o era.
Desprovida
dos adereços mal conseguia acreditar em quem era, ali, comum como qualquer
outro, mortal e repleta de falhas.
Às
vezes chorava, e as lágrimas salgadas aliviavam o seu coração solitário,
tiravam o cansaço de uma mente treinada para fingir, agradar e seduzir em troca
de fama, glamour e dinheiro. Nada vem de graça, pensava enquanto retirava a
maquiagem e a peruca, os cílios e o batom. Vestia a sua roupa comum, a cobria
com um casaco comum e um chapéu e saía pela rua sem que a reconhecessem,
segurando a bolsa e correndo para não perder o ônibus.
Ao
chegar em casa ainda teria que preparar o jantar para o marido cansado e
indiferente, e para as crianças barulhentas e famintas por atenção, inocentes
demais para perceber os paradoxos memoráveis do que chamam viver.
Marcelo
Gomes Melo
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