Olhando
a chuva incessante através da pequena janela do quarto, não penso em nada. Não
sou poeta, intelectual, filósofo; não consigo pensar em nada. Não sou
romântico, apaixonado, enlouquecido pela paixão. Também não sinto raiva. Eu não
odeio a ninguém, não faço inimigos, muito menos amigos.
Com
os dedos entrelaçados na nuca observo a chuva sem sentir nada em particular.
Não sinto fome, não desejo companhia e nem quero saber das aterrorizantes notícias
da televisão. Ficar alheio a todas as coisas é um alívio, mas ficar alheio a
mim mesmo é uma experiência de transmutação, quando nada se sente, sequer o
perfume das coisas, o balouçar do vento ou a massa física das coisas, dos
corpos.
Isso
deve infiltrar no pensamento das pessoas a possibilidade de que eu, de fato,
não exista, seja um mero holograma nesses tempos de expectativa de evolução
tecnológica veloz com a luz ou o som. E então novas hipóteses os fazem pensar.
Em uma Era como essa, provavelmente hologramas já sejam a maioria, controlados
por robôs, que por sua vez são construídos por enxertos de seres humanos com a
cibernética, humanos puros mesmo, cem por cento, devem andar se escondendo
pelos túneis, ou esgotos, como faziam os ratos antigamente.
Ou
serem apenas casca, vazios como eu, aparentemente, desmotivado através do
período de crescimento, envelhecendo mais devagar com as descobertas
científicas, mas sem propósito algum, sem forças para conseguir algo através
dos meus próprios movimentos, minhas próprias ações, visto que tudo é fabricado
instantaneamente pelas máquinas, tirando o propósito de humanos fazerem
qualquer esforço.
Observo
a chuva cair sem qualquer fascinação, não tenho interesse em saber porque
chove, nem por que chove naquele momento exato, dificultando a caminhada diária
dos idosos, que ainda carregam em si resquícios de uma vida ultrapassada,
rechaçada pelo domínio jovem da população, que quase não envelhecerá, e pelas
máquinas e semi-máquinas, eternas desde a sua confecção.
Os
idosos são vistos com certa condescendência, como relíquias ultrapassadas,
admirados como antes eram as peças de arte de um museu, à certa distância, sem
ousar aproximar-se demais a ponto de conseguir para si mesmo um problema.
Ninguém
queria adotar um idoso, pois significava trabalho dobrado, então agora eles
viviam e morriam por si mesmos, sem demonstração de simpatia, ódio ou piedade.
Eram mais uma espécie em extinção. Eu também, de certa maneira, me encaminhava
para terminar como eles, lentamente, mas com o mesmo destino. A diferença é que
eu não me importava.
Marcelo Gomes Melo
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