Consumidor
Fobia.
É algo inexplicável e, para quem não sofre com alguma chega a soar como uma
aberração. E a dele era fobia à luz do sol. Não, ele, não era um vampiro ou
coisa parecida, andava normalmente a qualquer hora do dia que estivesse
cinzento, nublado, escuro; sob a luz do sol, no entanto, jamais se arvorava.
Não combinava com ele.
De
dia dormia profundamente, cortinas fechadas, nenhuma fresta de luz penetrava o
seu santuário. Era noite completa em pleno dia, e se estivesse acordado jamais
acendia as luzes que não viessem da televisão, ou de abajures de luz fraca.
Isso domava e o deixava completamente tranquilo, quase feliz.
À
noite saía pelas ruas, vestido de preto, com as mãos nos bolsos e um chapéu
elegante de feltro, caminhando lentamente pelas ruas, observando a alegria das
pessoas sob as luzes artificiais, as suas comemorações, os seus ritos sociais
estranhos.
Ele
entrava discretamente em algum bar e se acomodava a um canto do balcão onde se
punha a beber e a analisar comportamentos. Seres solitários sorrindo o tempo
todo, bebendo e fingindo ser quem não o eram, bebendo e usando substâncias
ilícitas que os fazem exagerar nas emoções enquanto os corroem por dentro, aos
poucos, mexendo com a sua sanidade, convencendo-os a realizar coisas cada vez mais malucas que acabarão por
machucá-los, e no processo a outros inúmeros.
A
noite abriga melhor aos psicóticos do que o dia, onde a maioria parece normal e
feliz. Os seus corações são inalcançáveis, e os seus pensamentos profundamente
arraigados em seu âmago, protegido até deles mesmos. Só assim podem sobreviver.
Quase
ao raiar do dia volta para casa com muitos perfis gravados em sua mente e nunca
acompanhado. Era um fardo enorme acumular perfis solitários em sua mente ágil e
reflexiva, não cabia mais ninguém com quem pudesse dividir mais coisas,
principalmente pessoais. Estava destinado a ser assim, solitário e com uma
tendência absurda em se deixar tocar pelas tristezas alheias. Mas não
reclamava. Era um consumidor.
Marcelo
Gomes Melo
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