Amor
hediondo
Aqui,
em pé sobre o seu sepulcro, observo o ambiente arejado entre as montanhas de
pedras centenárias e árvores milenares, por entre as quais correm as águas
límpidas do rio essencial, frio e audaz, superando obstáculos com a sua força
estupenda despencando em cachoeiras monumentais, as que celebram todas as dores
e jamais questionam os porquês.
As
flores ao redor parecem assistir, maravilhadas, o local de sua queda, tão glamurosas
o quanto podem até murchar. Assim que acontecer, naturalmente darão lugar a
outras belas flores que em seu tempo de existência, embevecidas, servirão de
escolta ao seu túmulo gelado e sombrio, habitação sinistra para alguém tão
vivaz quanto vossa magnificência, senhora dos pecadores, o imã que atraiu os
mais valentes e ferozes cavaleiros para a morte, com um balançar de quadris
equivalente ao canto das sereias.
Apoiado
na empunhadura de minha espada, com a ponta equilibrada sobre a pedra antiga de
sua sepultura, deixo a mente vagar em busca de esquecimento, senhora dos amores
profundos, comandante do juízo dos homens, produtora contumaz de insensatez
suficiente para alijar tropas inteiras do combate, as enviando para um deserto
de sentimentos, transformando homens em bestas feras.
Como
é fugaz a paixão, imperdoável quando usada como uma lâmina afiada nas mãos de
um profissional insensato e cruel. Deslindar os seus segredos me foi ordenado,
senhora os seios fartos e olhares cálidos. Preparado tanto quanto um ser humano
de pedra, com o pensamento treinado por tempos e tempos para não se atingido
por nada perfumado e suave, macio e quente, concentrado apenas no objetivo a
mim confiado durante os treinos nas masmorras santas da colina dos imortais, sob
os umbrais dos anjos muitas vezes imaginei como seria, mas passou longe do melhor
que pude fazer! Não se imagina a beleza insana de uma mulher fenomenal e
selvagem, quase uma divindade.
Quase
nada pude fazer, atingido pelo primeiro sussurro que era sua voz como um dardo
tranquilizante, ao mesmo tempo em que fazia formigar todo o meu corpo por um
desejo incapaz de conter-se!
A
minha respiração se alterou e a força das minhas convicções se abalaram
instantaneamente, senhora dos pensamentos impuros de todos os pecadores e
santos. Como um boneco me vi sob o seu encanto, que imediatamente produziu
borboletas em meu estômago. Por cem dias e cem noites vivi como presa entre os
braços de uma caçadora fulminante! Amar e amar virou um mantra ordenado pelos
seus desejos, que realizados quase me assassinavam de prazer! Eu, o cavaleiro
melhor preparado, o mais forte e inabalável, virei um a mais de seus súditos.
Em determinado momento, no meio dos seus beijos, com o seu corpo em minha posse
cheguei a duvidar da razão!
Tremendo
como uma criança sob a neve quase abandonei o propósito de salvaguardar o mundo
como o último templo, devorado deliciosamente pela sua gula suave e falsamente
gentil.
No
último momento, entretanto, senhora dos enganos mortais, busquei no fundo da
alma toda a determinação a qual um homem pode ter com os seus deveres, e com os
dentes trincados finquei o punhal prateado em seu peito a centímetros do meu.
Não
há arrependimento no homem destinado a se tornar uma lenda, senhora das paixões
permanentes. Hoje, em pé sobre o seu túmulo, sei disso mais do que os que por
você pereceram, vítimas do seu hediondo amor. Você foi, mas permanecerá para
sempre em mim.
Marcelo Gomes Melo
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