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A produção de heróis como meio de expiação

 
A criação de heróis é uma grande maldade com o eleito para carregar esse peso terrível de aglutinar todas as virtudes em um só, tornando-se quase um deus, alguém sem defeitos, infalível em todos os momentos, o exemplo para todos os mortais.

É possível que a produção de heróis aconteça para que o restante da humanidade possa jogar sobre eles todas as frustrações diárias, as incompetências naturais, as falhas e os pecados, aliviando as próprias mancadas com a desculpa de que apenas os heróis são perfeitos, e portanto são eles que não podem errar ou senão apedrejados sem piedade, pura maldade.
Quando julgam e condenam a quem eles mesmos elegeram como heróis, exercitam a hipocrisia humana em seu mais alto teor, pois nesse momento esquecem os próprios erros mais nojentos, as atitudes mais mesquinhas para execrar a quem foi escolhido para ser perfeito, coisa que não foi solicitada, sequer cogitada pela “vítima”, que acaba refém dos próprios conceitos éticos e respeitosos; um humano mais próximo do ideal de conduta que uma sociedade persegue, embora seja impossível, porque todos são falhos, uns mais, outros menos. A exposição das virtudes de um suposto herói é a intenção clara de encontrar alguém a quem crucificar para justificar e perdoar os próprios pecados. Heróis são criados por políticos e pela mídia, que faturarão enormemente nas duas hipóteses: quando exaltado como um ser superior e depreciado como um ídolo de barro, explorando qualquer falha e a elevando à máxima potência. Tudo por dinheiro. A fama e os lucros justificam qualquer coisa.



Hoje heróis são construídos e destruídos cada vez mais rápido; vivem as esferas do poder e a tristeza do ocaso, acabando de forma horrível e sendo esquecidos sem qualquer constrangimento.

Já dizia Raul Seixas, um sábio em suas viagens alucinógenas e alucinadas que ser comum é o ideal, permanecer invisível é o sinônimo de paz, e essa é a tranquilidade mais difícil de conseguir, tendo em vista que a juventude é instigada para buscar a fama, custe o que custar, por ser o meio mais simples de adquirir dinheiro e conforto com mais facilidade, o que é enganoso porque com dinheiro e fama o postulante precisa vender a alma, cercar-se de gente que vai manipular e usar até que nada reste, e no final ainda lucrarão com a morte e o post mortem. Lucro enquanto restar a mínima possibilidade.
Não há heróis! Os indivíduos devem ter consciência e assumir as falhas e erros que todos cometem, sem escudo, sem alguém para pagar por todos e aliviar as mentes pecadoras e hipócritas sempre prontas a sacrificar um herói para aplacar a ira divina com as sacanagens da maioria.
Sociedades são vítimas de um círculo vicioso, alcançam o apogeu e glória por um certo tempo e depois se autodestroem como em um filme de Tom Cruise; e assim segue a humanidade, imperfeita, se recusando a lidar com as próprias falhas, usando as mesmas receitas, obtendo os mesmos resultados decadentes, e só piora.
Mudar essa configuração é mudar a maneira de pensar de toda uma civilização. Parece possível?



Marcelo Gomes Melo
 
 

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