“Cabra
do norte não presta”
O
pau cantando no boteco do Corrupião e o cara continuava sentado em seu
lugarzinho, bebendo a sua cervejinha como se nada estivesse acontecendo.
De um lado, munidos de faca e garrafas
quebradas, aos gritos e ameaças, um grupo defendia o repúdio à discriminação
racial, social e regional provocada por uma fala descuidada e ofensiva de um
cínico qualquer. Os adversários, com copos vazios e cadeiras empunhadas faziam
a resistência, prontos para a briga feroz, argumentando que a frase dita não
agredia nem discriminava a ninguém, portanto, lutariam, chegariam às vias de
fato contra acusações exageradas e levadas a sério por conta de excesso de
sensibilidade, prejudicando a liberdade de expressão.
Era a demonstração cabal de que o
mundo polarizado atingia os lugares mais recônditos, e os seres humanos estavam
cada vez mais intolerantes, tornando a vida em sociedade um perigo permanente.
Qualquer coisa pode ofender. Seria o fim das piadas, dos apelidos, do
tratamento amistoso que caracteriza o brasileiro comum?
Agora as relações humanas estavam
esfriando e a dificuldade em fazer amizades, ampliar os círculos de
companheirismo, facilitados com o advento das redes sociais agora era um tiro
pela culatra, com as posições políticas e opiniões pessoais colocando lenha na
fogueira, polarizando a vida e derrubando os posts de flores e frases de
autoajuda, hipocritamente alternados com as brigas violentas, ameaças e
assassinato de reputações.
O Corrupião, dono do bar, desesperadamente
tentava separar a briga e evitar mais prejuízos, arriscando o pescoço para
atuar como barreira entre os grupos inflamados. Ele tentava ser eloquente e
convencer a todos com o seu linguajar informal permeado de palavras de baixo
calão, mas parecia complicado, no momento.
No
auge do terror, alguém se lembrou do cara calmamente sentado em um canto com o
seu copo de cerveja e bradou em tom de acusação que ele era o responsável pelo
início do ódio mortal! Todos pararam com os insultos e se viraram em direção a
ele. Corrupião o interpelou bruscamente:
- Você começou os insultos e está aí
tranquilo. Não tem vergonha na cara?! Foi você quem afirmou em alto e bom som
que “cabra do norte não presta”!
- Sim! O que tem a dizer sobre isso? –
perguntaram membros dos dois grupos, irados – Vamos, fale! Por que cabra do
norte não presta?!
E ele respondeu, entre surpreso e
irônico:
- Dizem que não dá leite...
Marcelo
Gomes Melo
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