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O único prêmio: saber que somos mortais



Agora me sinto um pouco diferente; não como Kafka, que acordou e havia se transformado em uma barata, resistente a qualquer explosão nuclear, mas vítima dos seres humanos aos quais assusta, sabe-se lá o porquê!

Diferente, mas não em outra pele, devo afirmar. Percebo que nada vale a pena, como dizia Fernando Pessoa, portanto devo ter a alma pequena. Ou enorme. O meu céu está sempre nublado, e é lindo; não caem rosas dele no concreto cinzento, como na canção do Seal, mas é o meu céu particular, oras bolas!
A única concessão que faço ao sol é usar óculos escuros, o seu brilho não me interessa. O sol queima. As pessoas queimam. Quando chove, o barulho do trovão me incomoda enormemente, e os relâmpagos não são convidados, penetram na minha festa de um homem só causando impaciência. Talvez eu ande impertinente até com a natureza. Prefiro quando acaba a energia elétrica e tudo é noite à minha volta, do mesmo jeito que em minha alma.
Não procuro solução para o que é irreparável, procuro o que é irreparável para confrontar qualquer solução. Ando sensivelmente insensível, ou insensivelmente sensível, como o preferir.
As coisas são objetos, e como objetos são imutáveis, intransferíveis em um nível abstrato de pensamento, como um idiota em frente a um quadro de Dalí fingindo entender (e gostar) de alguma coisa. Museus são feitos para preencher pessoas vazias intelectualmente, cascas. Assim como cinemas, shows, artes em geral; com a diferença que, nesse século os artistas são ainda mais vazios do que a plateia e colaboram para o seu dissolvimento ainda mais rápido! Saem de lá pior do que entraram, perdendo o pouco que sabiam ou em que acreditavam antes da exposição ao circo de horrores.


O meu corpo dói, lembrando que devo ficar consciente e sofrer ainda mais, com as coisas que me cercam e a existência das pessoas. A única fonte de tranquilidade é saber que somos mortais, ninguém aborrecerá o mundo para sempre!

A mudança em mim acontece a cada segundo. Mais ódio ou mais amor? É a mesma coisa. Juntos, misturados viram indiferença. Quando não há sabor, nem calor, nem dor, obriga-se a tentar algo neutro, desfocado como os meus olhos, que mal enxergam, e, portanto, não precisam distinguir. Amortecimento físico e mental. São paralelepípedos que formam a avenida das lágrimas, que ajudam o deslizamento à beira da morte. Literal ou imaginária. Tudo é morte. Ausência de vida é morte. E tudo o que cerca o mundo nesse momento não vive de verdade, apenas se dilui, poluindo os mares, queimando florestas, desmatando cérebros através de atos maléficos produzidos por uma sociedade maléfica incapaz de ajudar a si mesma, muito menos aos seus componentes de forma individual.

Hoje eu caminho em paralelo à matrix, como Neo da icônica trilogia cinematográfica, e não vejo nada além de pontos de interrogação; uma exclamação ou outra, reticências... E à frente, vívido e brilhante ao contrário do sol ineficaz, um gigantesco ponto final.
 




Marcelo Gomes Melo
 

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