Stalker?
Acordou
de repente, assustado, com aquela sensação de pesadelo, abrindo bastante os
olhos, o coração aos saltos. Ela estava ali ao lado da cama, em pé, com um
travesseiro entre as mãos, sobrancelhas unidas como uma expressão do ator Jack
Black, observando maligna e fixamente.
Vista
de onde ele estava, deitado, ela parecia uma estátua de dois metros de altura,
com o rosto desmoronando sobre ele, para baixo, ficando ainda mais assustadora.
Após segundos de silêncio ela deu um bom dia sombrio, bateu no travesseiro
desamassando-o, e colocou-o ao lado dele na cama, anunciando o café da manhã
que o estava esperando e se retirando do recinto.
Enquanto
tomava banho e cuidava de sua higiene matinal, o seu cérebro latejava sobre a sensação
aterrorizante que vivenciara há pouco. Os pensamentos giravam em torno das
intenções da mulher. Estaria após 30 anos juntos, ainda admirando o sono dele,
que deixara de ser tranquilo faz tempo, e agora era inquieto, com expressões de
pavor, suores gelados e pesadelos interiores extremos, ou a intenção era acabar
com o seu desespero, sufocando-o com o travesseiro enquanto dormia, comprando-lhe
um tíquete sem volta para a cidade dos pés juntos.
De
uns tempos a esta parte esse pensamento estava dominando a sua mente, e as
atitudes estranhas da mulher colaboravam para que o seu medo de ser assassinado
por ela a qualquer instante.
É
certo que a sua vida não tinha lá muito valor atualmente, dado o nível de barbaridades
das quais tinha sido vítima o modificara para pior como ser humano na última
década, o sistema social era feito para matar aos poucos, e isso podia ser uma
razão para que ela decidisse aliviar a sua alma enviando-o para o céu de alguma
forma.
À
mesa do café, o sorriso dela era arrepiante. Ele disfarçou e esperou que ela
tomasse um gole de café e mordesse uma torrada primeiro, certificando-se não
estar envenenados, depois pediu algo da geladeira para afastá-la e trocou as
xícaras e a torrada. Terminou o café da manhã e saiu para o trabalho aliviado.
Sobrevivera à primeira parte da manhã.
No
meio do dia, chegando em casa para o almoço, ela estava em pé na cozinha
sorrindo para ele como Mr. Bean, com um cutelo e um espeto na mão. Enquanto
pendurava o paletó, tremendo como vara verde, afrouxando a gravata para
disfarçar o medo, ela apontou o lugar para ele com o espeto. Sentou-se
prontamente com um sorriso amarelo. Mal conseguia sentir o cheiro da comida, a
refeição estava sem gosto. Todas as vezes em que ela empunhava a faca para
fatiar a carne, ele quase engasgava; chegou a erguer meio corpo para correr,
caso necessário, mas ela não dava sinais de entender o pavor na cara dele.
Mal
se alimentou; olhou para o relógio mais vezes do que mastigou. Assim que
conseguiu alegou muito trabalho e saiu correndo, mandando beijos de longe;
desceu pelas escadas, não aguentou esperar o elevador de costas para a porta do
apartamento.
A
sensação iminente de ser assassinado pela esposa aumentou o estresse a tal
ponto que ele comprou uma passagem de ônibus para o Acre e fugiu, abandonando o
serviço e a família para o lugar mais distante que pôde imaginar.
Seis
meses depois, vivendo na mata, ele faleceu picado por uma cobra venenosa, caindo
no rio e sendo devorado por piranhas. A mulher até hoje lamenta o seu sumiço. Sempre
pensa nele amolando o facão na cozinha, todas as tardes.
Marcelo
Gomes Melo
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