Então
é natal! O peru está ferrado. Vamos zoar um pouco as tradições e recheá-lo com
pimenta e quiabo. O quiabo para deslizar a pimenta que vai queimar tudo por
dentro dos famintos, gafanhotos de ceia que chegam dispostos a devorar as
rabanadas, o pernil, os salgados e secar as latas de cerveja, os litros de
cachaça, as garrafas de vinho, os litros de uísque e tudo o que possa atear
fogo nos pensamentos que retornam todo o ano sobre as suas vidas miseráveis, à
beira de um colapso, e aos péssimos relacionamentos familiares recheados de
falsidade e reclamações.
Geralmente
a véspera é reservada para a troca de presentes idiotas como panos de prato,
prendedores de cabelo, meias e pulôveres coloridos. A aparência geral é de
tranquilidade, uns garganteiam, outros fazem piadas, alguns relembram a
infância... Tudo isso regado a álcool de espécie superior, destrava línguas com
uma facilidade incrível, e logo as ironias surgem, as sutilezas ganham corpo,
as mulheres lideram no quesito provocação. Alguns homens tendem a defender os
argumentos da mulher, por medo ou conveniência. Logo a festa degringola e o que
era alegria fingida vira ódio verdadeiro.
Bêbados
perto da meia noite acusações são feitas, heranças contestadas e favorecimentos
atirados na cara, constrangendo pais e afastando irmãos. Noras, genros e
agregados costumam colocar álcool na lenha atiçando o fogo.
As
badaladas interrompem o péssimo clima para mais cumprimentos falsos e sorrisos
de crocodilo. Em seguida mais bebida, depressão para alguns, crise de raiva
para outros, coma alcoólico para os que unem os que estão em pé de guerra para
chamar a emergência e socorrer aos alcoólatras. Revezam-se no hospital,
abalados e com ressaca, tomando café amargo e evitando voltar aos eternos focos
de desavença que incendeiam os momentos de reunião anual, sem que nenhum tenha
algum álibi, uma desculpa convincente para não comparecer.
No
dia seguinte, o natal propriamente dito, com os alcoólatras liberados de volta
à casa, dividem as sobras da ceia, cansados e menos furiosos, conseguindo implantar
no momento uma atmosfera familiar comum, com sorrisos, piadas de Papai Noel e
filmes repetidos de milagres natalinos.
Despedidas
civilizadas, cada um de volta para as suas casas e suas vidas complicadas que
insistem em esconder. Uma semana depois, ano novo, não é preciso nova reunião
familiar, separam-se em busca de felicidade, diversão e listas de mudanças para
o ano novo. Promessas que serão abandonadas em três dias e tudo recomeça como
antes, o tempo passando cada vez mais rápido, as coisas ficando cada vez mais
aleatórias, o controle não pertence a mais ninguém, e todos parecem perceber ao
mesmo tempo. Uma rendição ao tempo do qual somos escravos.
Marcelo
Gomes Melo
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