Acabei
de encontrar o livro com o qual lhe presenteei há trinta anos. A rosa que
estava dentro dele, em determinada página, assim como o papel do bombom sonho
de valsa também. Eram páginas românticas, aquelas em que gestos carinhosos eram
reconhecidos e significam um amor para sempre a ser recordado, acontecesse o
que acontecesse.
Havia
anotações manuais ao lado das páginas, frases grifadas e períodos destacados
com caneta marca texto. Eram lembranças e avisos importantes de como conduzir a
vida caminhando à beirada do abismo com controle e firmeza.
Eu
tinha certeza de que as suas digitais ali permaneciam unidas às minhas e às de
ninguém mais. Aprendemos juntos durante o decorrer do tempo, adquirimos os mesmos
talentos e desfrutamos das mesmas belezas causadas por nossas atitudes maiores
do que tudo. Juntos alcançávamos o nosso paraíso particular, e nos mantínhamos
puros à nossa maneira, diferenciados dos outros casais que fingiam, mas jamais
teriam nada a ver com o que compartilhávamos; sensações indescritíveis que nos
levariam a um único caminho, e nós sabíamos.
Nas
noites de farra em que nos permitíamos gargalhar da humanidade, bebendo e
trocando promessas, arriscávamos previsões sobre quem iria primeiro al valhala,
cavalgar pelos verdes campos de caça, ou por entre as lápides do cemitério,
arrastando uma espada ensanguentada, criando uma trilha de sangue até o túmulo
vazio, preparado para o primeiro de nós a tombar.
Inacreditavelmente
foi você, minha bela, distraída por uma flor parecida com as quais eu costumava
lhe presentear e deixando um rastro de si mesmo através de DNA. Não houvesse
concedido ao amor essa rápida centelha de reconhecimento ainda estaria por
aqui, caminhando comigo de mãos dadas nas noites sem luar, pelos pântanos
assustadores que refletiam e acalmavam as nossas almas.
De
longe, como havia prometido, acompanhei o seu definhar na prisão, sem dizer uma
palavra sequer, mantendo aquela sombra de sorriso insolente mesmo durante as
torturas. De longe lhe vi bambear, e com esforço não cair, mantendo o orgulho
de ser a mulher que sempre foi, desprovida das banalidades, focada apenas na
destruição, na produção de tristeza e dor, assim como eu, o seu companheiro
fiel.
A
vi ali, imóvel. A luz dos seus olhos apagar como o final de um longo dia.
Acompanhei à distância o seu enterro em cova rasa, em um caixão de indigente,
sem ninguém para o último adeus.
Eu,
com o livro das mortes e torturas infinitas, a rosa ressequida e a embalagem de
bombom estava ali para lhe prestar homenagem prometendo em breve encontra-la na
antessala do inferno, onde trocaríamos carícias e enfrentaríamos o que mais
houvesse após a existência peculiar que tivemos. Sempre juntos.
Marcelo Gomes Melo
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