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Mil mortes por ciclo, eternamente

 
“Do que você precisa?”. Ele sempre começava as conversas com os outros assim. “O que você quer?”. Era notório que todos os seres humanos queriam alguma coisa, desejavam alguma coisa e precisavam de algo. Começando uma simples conversa assim já os tinha dominado, pela simples razão de que se colocava na posição de um benfeitor; alguém com o poder de elevar o status de qualquer um.

Quando fazia essa pergunta observava curioso o brilho no olhar deles, a mudança de postura, o tratamento que mudava de cauteloso para respeitoso, ativados pela cobiça.
A partir desse momento os tinha nas mãos. Logo que parassem de negar o óbvio e oferecessem de mão beijada o motivo pelo qual lutavam, por que viviam, ele saberia tudo o que estavam dispostos a fazer para ter concedidos os seus sonhos.
A facilidade para manipular corpos era assim, simples. As almas viriam em seguida, igualmente simples. Quando ele lhes oferecesse migalhas, se satisfariam e se sentiriam reis; logo depois iriam querer mais, exigir mais. Ser rei era insuficiente, lutariam por um status maior: deuses. E para isso se sujeitariam a coisas ainda piores, seriam ainda mais escrotos por terem perdido a razão.
Na busca pela divindade venderiam mais do que as próprias almas, mas as dos filhos e parentes. Os entes queridos estariam comprometidos para sempre, merecendo ou não. Todas as gerações estariam pervertidas em nome da fraqueza deles, que assumindo-se reis, quiseram muito mais e morreriam tragicamente antes de alcançar qualquer divindade, mas levariam milhões com eles. Milhões de pessoas, porque o dinheiro ficaria, as joias ficariam, o poder mudaria de mãos.
Assim era o mundo desde o início, e os que pensam estar no topo da cadeia alimentar se enganam redondamente, pois há sempre alguém acima para jogar com as suas expectativas, os seus medos e sobretudo as suas ganâncias. Fisgados pelo anzol de ouro maciço, suave como nuvens, fortes como couro, desceriam as escadas rumo as profundezas pensando o contrário, que estavam se alçando aos céus, quando a verdade era que o processo os estava transformando em algo menor do que um ser humano, inferior a qualquer ser vivente.
Em qualquer situação a partir dali seriam os causadores do caos, o flagelo do planeta, os marcados para sofrer mil mortes por ciclo, eternamente. E o início era tão suave, tão gentil, tão inocente... Do que você precisa? O que você deseja? O que você quer?



Marcelo Gomes Melo
 


 


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