Agindo contra o bullying
(Peça teatral baseada no
livro de Ricardo Brown, “Bullying, o que fazer?”, Ed. Paulus, 2011). Ensino fundamental
I.
Quarto
de dormir, Igor acorda assustado:
-
Socorro, pai! Socorroooooo!
-
O que foi, meu filho, o que está acontecendo? – aparece o pai, apavorado, de
pijama colorido.
-
Ai, a minha pequena cabeça dói! – reclama Igor, assustado
-
O que houve, você teve um pesadelo, garoto?
-
Não foi nada, pai, já está tudo bem. – Igor responde, com medo de contar o
pesadelo para o pai.
CENA II: na escola
A professora entra na sala de aula,
cumprimenta os alunos e inicia a chamada. Na vez de Igor responder, a voz dele
saiu baixinha. A professora não escutou e perguntou novamente:
-
Igor, você está aí? – antes que ele respondesse, outro aluno provocou, insultando-o
rapidamente:
-
Fala alto, “quatro olhos”! “Zóio de bomba”! Além de não enxergar direito é
mudo? – todos os alunos caem na gargalhada.
A professora reagiu rápido:
-
Mário, respeite o seu colega! Não fale dessa maneira!
CENA
III: intervalo (recreio)
-
Lá vai o “Magoo, ceguinho mudo!” – disse Mário esticando a canela para derrubar
o pobre Igor, que se estourou no chão, desajeitado. Os óculos pararam perto de
Mário que já estava preparado para enfiar a bota e quebrar, mas levou um
empurrão salvador.
-
Ei, deixa o mano em paz! Ele não te fez nada! – era a voz de Alfredo, impedindo
que Mário destruísse os óculos de Igor
-
Ah, agora o “gordão baleia” resolveu ajudar o “quatro olhos”, que dupla
dinâmica! – fala Mário, rachando o bico junto com a sua turma. Igor e Alfredo
se afastam.
-
Puxa, obrigado por ter me ajudado! Essa foi por pouco, quase meus óculos foram
para o beleléu! – agradeceu Igor timidamente.
-
Tudo bem, eles já estão longe – disse Alfredo tirando o lanche da mochila e
oferecendo um pedaço ao novo parceiro – Ataca num pedaço, foi minha mãe que
fez, delícia!
-
Pão com queijo e presunto... Hum! Deve estar muito gostoso mesmo, mas acabei
perdendo a fome.
-
Entendo o que você quer dizer, mas nada me tira o apetite. Nem ligo para as
provocações dos camaradas quando me chamam de “Baleia”. A minha mãe fala que as
diferenças sempre existiram no mundo. – morde um pedaço do lanche e conclui – E
sempre existirão.
-
É verdade. – diz Igor
-
Ninguém é igual a ninguém e todo mundo tem as suas qualidades – Alfredo diz, e
no meio do papo toca o sinal do fim do intervalo. A professora, que estava de
olho gordo no lanche (brincadeirinha), viu os dois garotos dividindo o lanche e
achou uma bela atitude.
Percebendo a dificuldade de Igor para
enxergar a lousa, a professora o colocou na primeira carteira, e isso bastou
para o bullying recomeçar.
-
E aí, “cegueta”, não enxerga nem com esses óculos de fundo de garrafa, hein? –
zoou Átila, e todos riram.
-
Aí, “ceguinho”, compra uma luneta! – completou Joel, e todo mundo gargalhou.
Quando
Alfredo foi ao banheiro, Afonso mexeu no caderno dele e descobriu um número do
celular dele e passou para os outros, que passaram a enviar textos o dia todo,
insultando o garoto, que teve que mudar chip.
As
professoras já não aguentavam mais as atitudes de Mário e sua turma de
agressores.
-
Vamos chamar os pais de vocês para falar sobre a péssima atitude contra os
colegas! – disse a professora, e a classe ficou em silêncio por uns dias, sem
atormentar os outros alunos, mas isso não durava muito.
Durante o intervalo, mais alunos eram
vítimas da maldade do grupinho:
-
Aê, “Ana pau de vira tripa”! “Pau de macarrão”!
-
“Cotonete de gigante”! Olívia Palito! – e todos rachavam o bico, enquanto os
colegas ficavam tristes.
Ana sempre usava roupas largas para
disfarçar a magreza, o que era pior, porque ficava parecendo um cabide.
-
Aê, espantalho!
E
Ana se perguntava em voz alta, triste demais:
-
Por que tanta maldade, meu Deus?! O que eu fiz para ser tão humilhada! Acho que
nem vou mais para a escola!
CENA IV: Igor conversando com o pai
-
Puxa, quantas coisas diferentes que se juntam e viram outras! – espantou-se
Igor, olhando o parque pela janela de sua casa. – Caramba, por que as coisas
não são sempre fáceis assim? – ele olha para o pai que estava lendo o jornal na
sala e faz uma pergunta – Pai, todo mundo é diferente um do outro nesse mundo,
não é?
-
É sim, meu filho. Mesmo gêmeos, que são muito parecidos, têm diferenças entre
si. Mas por que está perguntando essas coisas?
-
Lá na escola parece que quem usa óculos como os meus é muito diferente dos
outros. Toda hora o pessoal fica falando do tamanho das minhas lentes.
-
O quê? Isso é bullying! Você nunca falou sobre isso, filho.
-
Esse tal de bullying é o que, pai?
-
Bullying é quando seus colegas debocham de você, tiram sarro da sua cara
criando apelidos com a intenção de lhe humilhar e agredir. Isso é bullying e
você nunca me contou!
-
É que eu tenho vergonha. Quando o senhor era pequeno, na escola zoavam os seus
óculos também?
-
Naquela época eu não usava óculos, mas falavam das minhas orelhas, que eram um
pouco grandes. Depois eu me acostumei e nem ligava pra isso, então o pessoal
parou de me encher.
-
Eu queria ser como aquela nuvem que passeia e se transforma em um monte de
coisas, sem ligar pra nada.
-
De certa forma a vida é assim, garoto. A gente passa por um monte de coisas
diferentes e vai se transformando.
-
Demora pra gente passar por um monte de coisas e se transformar, pai?
-
Igor, a transformação é constante, meu filho. Acontece tão rapidamente que você
não percebe, até que fica adulto e percebe que tem que aproveitar o dia.
Igor então resolve pesquisar no tablet
e verifica as inúmeras mudanças que acontecem com todo mundo o tempo todo,
inclusive com a natureza e o planeta.
-
É mesmo! Tudo é diferente mesmo estando junto!
CENA V: Na escola
A professora Estela resolveu colocar
em prática uma ideia para tentar acabar com o sofrimento dos alunos que sofriam
com o bullying da turma dos maldosos da escola, e os reuniu primeiro para uma
conversa após a aula:
-
Meninos, contem como é a vida de vocês em casa, com os seus pais. – estavam
sentados em círculo no meio da sala, e o tom da conversa era informal.
-
Bom, professora, em minha casa é muito chato, porque meus pais vivem brigando o
tempo todo e nem sobra tempo para falar comigo! – reclama Átila, que foi o
primeiro a perder o receio e falar.
-
Meus pais são separados, professora – diz Afonso, na sequência de Átila – Eu moro
com a minha mãe e meu irmão mais velho vive querendo mandar em mim e eu brigo
com ele.
-
E você, Mário? Como se sente em casa, com seus pais?
-
Eles nunca conversam comigo, professora, a não ser para me dar bronca! Assim
não tem graça.
-
Eu gosto dos meus pais, professora, mas vivem fora de casa, quase nunca os vejo!
Fico com a minha avó, eles estão sempre trabalhando. – informa Joel.
CENA
VI: Nova entrevista com alunos
A
professora, em seguida conversou com as vítimas do bullying, Aninha, Alfredo e
Igor.
-
Eu sou neta de alemães, professora – disse Aninha – Minha família é formada por
pessoas altas e magras como eu. Meus pais são ótimos e minha mãe sempre me leva
para passear no parque no final da tarde, após os deveres de casa.
-
E você, Alfredo? O que pode nos contar? – perguntou a professora Estela.
-
Os meus pais me contaram que quando nasci achavam que não ia me desenvolver,
porque era muito pequeno.
-
Nossa! – disseram os colegas, surpresos
-
Sim! E me deram tanta vitamina e comida que, aos dois anos já estava acima do
peso! – eles riram do jeito de Alfredo contar, sem zombaria – Eu sempre fui
muito mimado porque sou filho único. Gostam até de ficar apertando minhas
bochechas, o que é horrível!
-
E você, Igor, qual é a sua história? – incentivou a professora
-
Eu moro com o meu pai e a minha madrasta. A minha mãe morreu quando eu era
bebê. – todos ficaram tristes por ele – Ainda sinto muita falta dela.
-
Sinto muito por você, Igor. Tem irmãos?
-
Tenho dois irmãos mais velhos, sou o
caçula.
-
Sua madrasta é legal? – perguntou Alfredo.
-
Sim, ela é legal, mas mesmo assim converso mais com o meu pai. Na minha casa
todos usam óculos, é normal para todos nós.
-
Por isso ser chamado de quatro olhos é tão ruim! – disse Aninha, e ele
concordou.
CENA VII: todos em sala de aula
A professora levou para a sala de aula
uma caixa, a qual chamou de mágica, e dentro continha muitas coisas legais e
divertidas: nariz de palhaço, chapéu de bruxa, orelhas compridas, peruca...
Todos puderam escolher algo da caixa mágica para usar e se divertir, e foi a
maior curtição.
Então a professora usou o momento para
falar com eles a respeito das diferenças.
-
Garotos, vocês perceberam uma coisa importante? Algo que pode parecer um
defeito para alguns logo se transforma em qualidade?
-
Como assim, professora?
-
Simples: uma pessoa muito alta pode pegar as coisas em lugares que os mais
baixos jamais poderão, por exemplo. Podem virar esportistas como...
-
Jogador de basquete! – completou Mário
-
Os mais baixos, entretanto, são os mais rápidos e ajudar de uma maneira que os
mais altos não poderiam! E os óculos dão um charme todo especial às pessoas,
que ficam parecendo intelectuais, certo?
-
E enxergam melhor, também, professora! – disse Aninha
-
Então todos são importantes? – perguntou Átila
-
Sim, cada um de seu jeito, Átila. É por isso que faremos uma peça teatral em
que mostraremos tudo o que foi aprendido sobre a importância das pessoas e suas
diferenças, o que acham?
-
Ueba! – todos estavam entusiasmados
Então
se puseram a criar ali mesmo, na sala de aula, usando os apetrechos da caixa
mágica, e trabalhando em equipe, uma peça teatral em que cada um representaria
alguém diferente de si mesmo: Afonso com roupas largas, fingindo ser bem gordo;
Aninha, que era a mais alta seria a professora; Átila seria o baixinho,
enquanto Igor e Alfredo seriam os responsáveis por interpretar os chatos que
faziam bullying.
-
Ô “Zoreia de burro”, sai da frente que eu não estou enxergando nada! – disse Igor,
e todos deram risada.
-
Respeite o seu colega, ele tem nome! – disse Aninha representando a professora –
Você gostaria que alguém lhe desrespeitasse assim?
-
Isso é um binóculo ou uma luneta, “zarolhão”? – provocou Alfredo
- Silêncio! Não estão vendo que estou tentando
dar aula, enquanto vocês ficam atrapalhando os seus colegas? – reclamou Aninha
fingindo-se de brava.
A
peça deu tão certo que resolveram criar um grupo de teatro, apoiado pela
professora Estela. Os pais também ficaram contentes com o fim do bullying na escola
e do ambiente de felicidade e camaradagem que permitia aos seus filhos aprender
em um ambiente maravilhoso.
No final, a professora leu um trecho
da Declaração dos Direitos da Criança:
-
“Décimo princípio: A criança deve ser criada num ambiente de compreensão, de
tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal, e em
plena consciência de que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de
seus semelhantes”.
E todos aplaudem e sorriem, certos de
que a partir dali seriam pessoas melhores individual e coletivamente.
FIM
Marcelo Gomes Melo
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