Tempos
difíceis para o amor como o conhecíamos
Ele
a observou por algum tempo sentada naquele barzinho animado tomando cerveja com
os amigos. Era linda e de expressão firme, determinada em suas ações defendendo
o seu ponto de vista com vitalidade e segurança. Discutia, bebia e fazia piadas
despudoradas, e ainda assim mantinha o respeito merecido por parte de todos.
Trocaram uns olhares durante a noite,
e a ele pareceu vislumbrar algum interesse por parte dela, no mínimo alguma
curiosidade. Como estava atraído, achou legítimo tentar a chance, assim que
percebeu que ela não tinha nenhum parceiro naquele grupo.
Em determinado momento da noite enviou
um torpedo através do garçom e ofereceu um drinque daqueles bonitos e
enfeitados que significavam quase um convite para o sexo de fim de balada.
Ela leu o torpedo, aceitou a bebida
erguendo a mão em um brinde, sorvendo de um só gole na sequência. O olhar dela
era irônico e não romântico, mas não pensou muito nisso, já que estava se dando
bem.
Com um gesto ofereceu a cadeira vazia
ao lado da sua naquela mesinha solitária. Lembrou-se de sorrir no processo e
mostrar uma expressão que julgava sedutora. Os segundos que se seguiram
pareceram horas, até que ela se ergueu, pediu licença aos amigos e caminhou
sensualmente até a mesa dele.
Um caminhar sexy e assustador se
aproximava de um homem com o coração batendo fortemente, levantou-se e
galantemente puxou a cadeira para acomodá-la. Apresentou-se e ofereceu outro
drinque, ao qual ela aceitou prontamente, analisando-o com um olhar firme a
ponto de desconcerta-lo.
A conversa girou em torno de amenidades até que ele ousou roçar as mãos
casualmente. Ela não recusou. Em plena madrugada ofereceu-se para leva-la para
casa e foi aceito. O desfecho deveria ser o esperado e ele estava confiante,
quando, no estacionamento pouco iluminado empurrou-a gentilmente para um canto
e tentou bancar o macho alfa roubando um beijo logo de cara. Tocaram os lábios
e ele tentou pressionar o corpo contra o dela, mas a surpresa o atingiu de
frente quando ela assumiu as ações.
Uma forte joelhada na virilha o fez se
dobrar, surpreso e sem fôlego, segurando os genitais com ambas as mãos. O rosto
ficou exposto para a cotovelada que abriu uma sobrancelha e depois a outra; um
soco violento quebrou o nariz e novas cotoveladas abriram cortes no couro
cabeludo. Tonto, confuso, tombou no cimento em posição fetal, uma mão
protegendo a cabeça, a outra os “países baixos”. O ataque continuou. Ela
chutou-lhe as costelas e pisou em seu rosto violentamente, com um golpe esticou
o braço dele e quebrou-o à altura do cotovelo.
A nuvem de sangue o impedia de
enxergar e as dores o impediam de se defender ou correr. Até o momento fora um
cavalheiro, gentil, educado, respeitoso... Mesmo assim estava sendo punido por
uma psicopata travestida de anjo sem aparente motivo, pensava, apavorado, se
vitimizando. Chutes na cara partiram-lhe os dentes, socos nas orelhas causaram
um som de estática permanente.
Namorar agora era uma atividade assim
perigosa? Ficara há tanto tempo fora do circuito que esquecera as regras de
aproximação na balada expressando atração sexual adulta e segura? Balbuciou
como dava, indagando a razão da surra sem piedade que ela lhe aplicava e ouviu
a verdade, o mantra dos tempos atuais: “quem ele pensava que era, um macho
opressor tentando dominá-la arrogantemente, pagando bebidas e rosas, sendo
gentil e antiquado sem respeitar o direito de liberdade dela?
Ficou
ainda mais aturdido, ali no chão encolhido, magoado, destruído como homem.
Antes de afastar-se ela ainda cuspiu nele e recomendou que parasse de tentar
ser homem e agir como um brucutu de Eras neandertais.
Os tempos eram outros, homens como ele
estavam em extinção, eram minoria e não tinham voz na nova sociedade andrógina,
dominada por mulheres que odiavam homens e logo, logo, criariam uma lei para
exterminá-los de uma vez.
Era o declínio do amor heterossexual
apresentado de maneira crua e cruel. Ele era mais uma baixa que possivelmente
carregaria o trauma pelo resto da vida.
Marcelo
Gomes Melo
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