Helicópteros
sobrevoam a casa no meio da noite, holofotes iluminam cada compartimento como
se fosse dia. Eu sou forçado a colocar um par de óculos escuros, e de pijamas
desço a escada em direção ao patamar inferior. Passando pela sala cubro os
ouvidos com potentes fones protetores que pouco adiantam, pois os alto-falantes
deles são superpoderosos, e as vozes esganiçadas e altas destroem facilmente
qualquer sistema auricular.
O tom das vozes parece cordial, mas
são mordazes, ferem a audição mesmo com as palavras cobertas com mel. É
impossível escapar! Na cozinha esquento leite, tento pensar em outras coisas,
acalmar os nervos destroçados.
Mais uma noite sem dormir. Ouso espiar
pela janela. Drones carregam banners com mensagens escritas em neon: “é inútil
resistir!”; “entregue-se e cuidaremos de você!”; “vale a pena fazer parte desse
time!”. Eu sei que não vai parar e assim que amanhecer ficará ainda pior,
através do rádio, telefones, televisão e aparelhos celulares.
Passa por minha cabeça atormentada a
opção de pegar a calibre doze no sótão e disparar a caixa de munição que eu
guardo há anos, mas sei que de nada adiantará e serei preso imediatamente. Hoje
as leis são distorcidas para favorecer a quem ataca, não a quem é atacado.
Sentado em uma cadeira procuro me
concentrar no aquário, observar os peixes pode me tranquilizar... Engano dos
enganos! Os infelizes inventaram um microchip que invade a casa de forma
invisível e instala-se dentro do aquário; ao notar qualquer presença humana
transformam-se em um tubarão em 4D e emergem de surpresa, quase matando de
susto com a mensagem explodindo na sua cara!
Tempos de loucura, esses em que
vivemos! Bombardeados por todo o tipo de comerciais, querendo ou não, dentro do
nosso lar, obrigados a decidir se aceitar as ofertas nos darão um pouco de paz,
ou ficará ainda pior, com convites para que continuemos atrelados aos seus
contratos, assombrados por suas cláusulas. Não somos mais pessoas, somos
con-su-mi-do-res! Clientes, cobaias, objetos de estudo!
Resistir não é opção. A guerra só vai
piorar até que esgotemos todos os recursos e nada mais reste além de sons
automáticos de venda até que a bateria acabe!
Marcelo Gomes Melo
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