O
que não tem explicação...
Os
candelabros iluminavam aquele ambiente sombrio cercado com paredes de pedra
precariamente. Lá fora os relâmpagos cortavam a noite e os trovões anunciavam
que nada passaria incólume. O cavalheiro coberto por uma capa elegante mantinha
as luvas de couro enquanto segurava a taça de vinho, sentado à cabeceira da
mesa de madeira de lei, entalhada há séculos, marcada por segredos
inimagináveis à faca ou por resíduos de alimentos ali consumidos, sangue ali
derramado...
A motivação dele era obscura naquele
momento, o leve sorriso sem mostrar os dentes, combinados ao olhar devastador
assustariam ou atrairiam, de acordo com a ousadia do interlocutor.
Do outro lado da mesa a dama de
grandes olhos azuis sustentava o seu olhar com firmeza os longos cachos ruivos
delineando o seu belo rosto de pele alva e macia. Os lábios vermelhos em forma
de coração encorajariam um louco a elogia-la com ousadia, mas essa não era a
intenção do homem.
Em pé, próximo à lareira onde a lenha
crepitava, um indivíduo alto e magro palitava as unhas com a ponta de um
canivete bastante concentrado naquilo. O silêncio de palavras significaria
muita coisa, caso fosse possível ler aquelas mentes barulhentas.
Já era madrugada e todos permaneciam
imóveis, atentos, trocando acusações mentalmente. Um ambiente sem suspiros,
nada de risos, tudo parecia definitivo. Os passos lá fora, sob a chuva,
instalou alguma ansiedade, mas contiveram os movimentos. O cavalheiro com a
capa apertou os olhos e inclinou a cabeça para o lado direito, pensativo. A
ruiva tocou o próprio busto com uma mão bem cuidada de longas unhas vermelhas. O
indivíduo alto pousou o canivete sobre a lareira e enfiou as mãos nos bolsos da
calça, virando-se para a pesada porta de madeira.
Vozes
se misturaram aos passos lá fora, e armas calibre doze foram engatilhadas. Faróis
de camionetes iluminaram as janelas fortemente.
Em minutos a porta de madeira veio
abaixo e homens com armamento pesado invadiram disparando. Não houve conversa.
O cheiro de pólvora tomou conta do ambiente e os corpos, atingidos pereceram
imediatamente.
O homem com a capa foi atirado contra
a parede de pedra, e lá ficou como um boneco, inanimado. A ruiva caiu aos pés
do indivíduo alto, coberta de sangue, os olhos mortalmente abertos, ainda mais
azuis. Os tiros no alto o transformaram em um queijo suíço, caindo metade sobre
o fogo dentro da lareira, metade para fora, as botinas enormes tocando os
cabelos da mulher. O cheiro de carne queimada infestou rapidamente o espaço
aterrorizante.
Muitos tiros, muita fumaça, muito
sangue. E logo o silêncio voltou a dominar o lugar. Um dos atiradores encontrou
a pequena caixa de madeira, quadrada, que era o que procuravam. Ergueu-a e
mostrou aos outros.
Olharam em volta por uns vinte
segundos e saíram sem dizer nada. Largaram a porta escancarada. A chuva parara.
O céu, antes escuro estava modificando para um tom cinza, trazendo um amanhecer
horripilante.
O som dos motores e todos os carros se
afastaram. O odor da morte permaneceu. Sem nenhuma explicação...
Marcelo
Gomes Melo
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