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O rebotalho



          Bêbado, sujo, fedendo a porco podre com os cabelos ensebados endurecidos por falta de banho, cheio de migalhas de pão e mato seco do travesseiro de grama do parque onde dormia, restos de roupas esgarçadas, bafo de peixe cru e cachaça de péssima qualidade, ele caminha desligado da correria da cidade grande, olhos secos e avermelhados. As multidões se abrem, enojadas, e ele passa arrastando os pés em chinelos carcomidos, a maior mostra da derrota humana através dos séculos.
          Os invisíveis são muitos, e a decadência que representam não se resume a eles próprios, mas principalmente à derrota das leis de convivência criadas para sustentar uma sociedade que hoje é corrompida em quase noventa por cento, sem possibilidade de volta a um caminho de honra e ética.
         O rebotalho não é invisível ainda. Lá está como um cancro nojento expondo a falta de caráter dos dirigentes, cuja qualidade inexiste totalmente, e assumem o destino de toda uma população através de promessas mentirosas e ações comandadas por psicopatas, malucos se estapeando por ideologias imbecis, prejudicando apenas à maioria enquanto são transformados lentamente, e cada vez mais em rebotalhos, os mesmos por quem nutriam desprezo, raiva, vontade de torna-los invisíveis.
      O passo seguinte é a eliminação surda, o sumiço peremptório do meio dos vivos para habitar a vivenda dos mortos sem que ninguém perceba por fingimento em próprio proveito. Não se permitem pensar que aquele novo rebotalho era um deles há pouco tempo e foi perdendo tudo até chegar àquele estado.
 


        Já dizia Bento Carneiro, o “vampiro brasileiro”, personagem do genial Chico Anísio, que veio do “aquém do além adonde que vivem os mortos”, e agora há um espaço real aonde rebotalhos são lentamente desorientados e transformados até que encontrem a morte.
          A sociedade moderna varre esse lixo para debaixo do tapete da vida, e o mundo segue se deteriorando a olhos vistos até que os corruptos destruam uns aos outros, cantando o hino à ganância e se dissolvendo como a pior amostra de letalidade viral no universo, desaparecendo sem deixar saudades nos porões do sem fim.



Marcelo Gomes Melo


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