-... E aí, começa por
vocês! Como se conheceram?
Imaginem aquelas reuniões de velhos amigos em que os casais
escolhem um barzinho divertido, com boa comida e bebida, um ambiente acolhedor
para rir, contar histórias, debater ideias... Chegamos ao ponto em que a
curiosidade pela história romântica de cada um teve início. Geralmente esse
tipo de curiosidade parte das mulheres, e os homens permanecem reticentes,
abrindo mão do privilégio de contar os percalços no caminho do amor.
Dessa vez as garotas exigiram primeiro a versão masculina,
e Crescêncio foi escolhido o primeiro, por ser o mais recatado de nós. Muito
alto e louro, pele muito branca, Crescêncio ficava vermelho por qualquer coisa.
Bastava que alguém o chamasse a se manifestar e o homem já ruborizava como uma
velha virgem que vivera a vida toda numa ilha sem homens.
Não teve jeito a não ser atender ao clamor da mesa e evitar
que o restante dos presentes ouvissem os pedidos e o matassem de vergonha. Como
sabia que seus dois outros amigos de infância estavam presentes, Crescêncio
sabia que “se quisesse esquecer” algum detalhe, nós o lembraríamos com certo
exagero, até então, após um generoso gole de cerveja e vermelho como um tomate
maduro, iniciou a sua história de amor e futuro acasalamento, observado pela
namorada, Linda, uma moça também alta, loura e simpática. Menos tímida do que
ele e curiosa em ouvir a história de um ponto de vista diferente.
- Bem... – começou Crescêncio – Nós estávamos no baile da
associação comunitária do bairro...
- Passamos a semana inteira lhe dizendo que seria a sua
chance de colar na Linda! – Arlindo o interrompe, gargalhando, mas as garotas o
silenciaram.
Pigarreando, Crescêncio continuou, de olhos baixos:
- Esses caras passaram
o tempo me atormentando, dizendo para pagar um guaraná para a Linda, mas ela
estava ocupada dançando com as amigas, sorridente e encantadora...
- Eu estava nervosa! – Linda interrompeu sorrindo – As meninas
disseram que você viria falar comigo, mas eu não acreditava; você estava mais
concentrado no copo de cerveja do que em mim.
- Nada! Você usava um lindo vestido verde esmeralda que
combinava com seus olhos! – e completou, ante a surpresa dela – Eu te observava
através da cerveja, louco de vontade de me aproximar, mas com medo de ser
rejeitado e humilhado na frente de todos. Esses caras não perdoariam! – nós estávamos
gargalhando e debochando do fato de ele saber a cor do vestido – Acha que eu
estava dançando, Linda? Eram os tremores do meu corpo que faziam o esqueleto se
movimentar contra a minha vontade. Eu nunca soube dançar!
- Nunca vi um cidadão tremer tanto – eu disse, morrendo de
rir – Apostamos se ele teria ou não coragem de chegar junto, quando seria, ou
se morreria antes, de medo.
- Que maldade! – rebateu a minha garota, divertida – E o
que você fez Crescêncio?
- Bom... Quando a seleção de músicas lentas começou, eu
sabia que seriam os noventa minutos que determinariam o resto da minha vida. –
terminou a cerveja e fez um sinal ao garçom, pedindo outra – Esses caras, meus
amigos, mesmo dançando davam um jeito de passar perto de mim e fazer pressão
para que eu atravessasse a pista de dança e fosse tirá-la para dançar.
- E você, Linda? –
perguntou a namorada de Arlindo, Nanda.
- Eu fiquei lá, abraçando a mim mesma, dando dois passinhos
para lá e dois para cá, sozinha, achando que teria que acabar indo até lá
buscá-lo para dançar. Mas estava nervosa demais pra isso.
- Música após música
eu tomava coragem líquida. – Crescêncio falou, enrubescido.
- Tomou umas doze latinhas! – era a voz de Arlindo,
zombando – Parecia uma lâmpada de árvore de natal. Finalmente o salão se abriu
como o mar vermelho, sem trocadilho...
-... Mar vermelho menos vermelho do que o Crescêncio –
completei.
- E eu caminhei, quer dizer, cambaleei na direção dela. –
falou Crescêncio.
- O meu coração quase parou vendo aquele lourão com
rosto bordô vindo em minha direção! – Linda sorriu.
- Nós paramos de dançar para registrar a cena, lembra,
Arlindo? – eu disse, erguendo o copo em um brinde.
- Se lembro? Claro que lembro! De longe vimos a boca do
cara se movimentar sem sair som!
- E não saiu mesmo! – concordou Linda – Ele mexeu os lábios
mas não disse nada! Eu é que peguei a sua mão gelada e fomos para o centro do
salão.
- Parecia que as luzes estavam apenas sobre nós, e todos os
outros casais nos observavam. – a voz de Crescêncio estava emocionada – Ficamos
ali, no centro, sem saber como nos abraçar para começar a dançar.
- E então? – perguntaram as meninas após uma longa pausa.
Eu e Arlindo cobrindo a boca para conter o riso.
-Quando finalmente nos abraçamos... – a voz de Crescêncio
estava visivelmente desconfortável, relembrando momentos constrangedores –
Antes mesmo do primeiro passo...
- A seleção de lentas acabou e começou a seleção de
balanços! – Linda terminou, sorrindo feliz, enquanto Crescêncio tentava se
esconder atrás do copo de cerveja.
- Ohhhhhhh! – fizeram as garotas em uníssono. Nós rachávamos
o bico que nem adolescentes.
- Ficamos lá, gelados,
completamente sem graça por uns minutos. Depois cada um voltou para o seu lugar
– Crescêncio sorria levemente – Fui lá para fora e sentei em um banquinho,
arrasado. Não sabia se chorava, se fugia, ou as duas coisas...
- Coitados! E vocês nem para apoiar?!
- Apoiar? Iríamos tirar o pelo dele no dia seguinte! – mais
um brinde e gargalhadas!
- Terminou por aí? – a minha garota perguntou, ainda
curiosa.
- Não! Ela também saiu para tomar um ar e, quando me viu,
sentou-se ao meu lado.
- Ele parecia tão decepcionado! – Linda acrescentou.
- Era só efeito da cerveja. – Arlindo argumentou.
- Conversamos um pouco, timidamente, olhamos a lua... E eu
desembuchei como um furacão, falando mais rápido que um locutor esportivo, aos
trancos, que a amava e queria namorar com ela, mas se ela não quisesse, tudo
bem, era só falar que não teria problema, eu mudaria de bairro, de escola, de
cidade, de Estado, de país, de planeta...
- Nossa!
- Quando ele conseguiu parar de falar, eu disse que também
o amava e aceitava namorar com ele.
- Ahh, que lindo! Que romântico! – eram as mulheres de
novo.
- E o que você fez, Crescêncio, fala. – Eu e Arlindo
perguntamos, ao mesmo tempo.
- Minha voz, depois da explosão, não saía. Apontei para a
garganta e depois para os joelhos, que batiam um no outro incontrolavelmente.
- Ele estava tão nervoso que não conseguia falar nem se
levantar – explicou Linda calmamente, segurando o braço dele com carinho.
- E como selaram o namoro? – Nanda perguntou – Um beijo
teatral, um abraço de ferro?
- Não – Linda respondeu
tranquila – Ele apertou a minha mão formalmente, como se fechássemos um
negócio, e disse solenemente: “Pronto, a partir de agora estamos namorando.
Parabéns e muito obrigado”.
Silêncio na mesa por alguns minutos e erguemos os copos
para brindar ao amor formal.
Mas a minha mulher não estava satisfeita ainda, e a noite
estava apenas começando. Pediu uma rodada de pisco e intimou:
- Agora é a sua vez, Arlindo! Conte como conquistou a
Nanda.
Arlindo sorriu como uma raposa desavergonhada e preparou-se
para contar a sua saga de amor.
Continua...
Marcelo Gomes Melo
Putz que maldade isso de colocar em capítulos.
ResponderExcluirSou (leitora) ávida e quando começo, gosto de ir ate o fim rsrs.
Esperando aqui sentada. kkkk
Boa semana pra ti Marcelo.
Rs...Você precisa manter-se assim, ávida pela leitura, Silmes! As três histórias juntas ficariam imensas e chatas, por isso as dividi em três. Postarei rapidamente. rs...Valeu!
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