Idosos
não têm pecados?
A era dos coroas está
em extinção. São os remanescentes dos anos de ouro do movimento hippie, que
promoveu uma revolução social imensa com seus ideais de paz e amor,
relacionamento livre, abaixo o stablishment careta e a proibição do uso de
drogas, pois elas os libertariam da ganância dos alienados.
Esses que criaram o termo coroa para substituir a palavra
velho ainda se utilizam de gírias como “paz e amor, bicho”, vestem roupas
floridas e batas de algodão cru, usam incensos e tocam Janis Joplin e Hendrix
com saudade; as mulheres cortam os cabelos e se vestem como Joan Baez e
relembram hinos de James Taylor ao redor da fogueira, mas não resistem a utilizar
os benefícios do terceiro milênio, como microondas, celular e tevê a cabo.
Muitos ainda estão engajados com a salvação do planeta e influenciaram as novas
gerações com seus ideais.
Os “novos coroas” da
atualidade são de gerações diferentes. Trajam jeans e camiseta, dirigem carrões
esportivos e namoram modelos de quinze sem que se questione pedofilia ou não,
cultivam uma esposa troféu comprada a joias e roupas caras; o assunto principal
desses cidadãos é dinheiro; jatinhos particulares, lanchas, iates e prazeres
exóticos garantem a eles um alto status quo.
Os novos coroas jamais aceitariam ser assim denominados.
Preferem ser apontados como os “new gentlemen”, senhores magnânimos e
magníficos que fazem doações a Instituições de caridade para aliviar a
consciência, descontar no imposto de renda, aparecer socialmente enquanto
manipulam governos e corroem o planeta em busca de lucro fácil.
Dentre esses senhores também há os que inventaram noções
hipócritas de convivência, denominadas como politicamente corretas, nada mais
do que censura camuflada de boas intenções, isolando minorias e fazendo com que
elas prefiram reivindicar seus direitos como minoria e não como cidadãos, ou
melhor, como seres humanos, cujos direitos e deveres deveriam ser iguais e in alienáveis.
Esses senhores criaram
outro eufemismo: “melhor idade”, para denominar idosos de forma pejorativa,
como se ser chamado de velho fosse insulto. Melhor idade para quem, quando a
maioria não goza de saúde, aposentadoria e muito menos expectativa de uma vida
com qualidade?
Quando jovens esses senhores foram chamados yuppies,
milionários extremamente jovens, fruto da especulação do mercado. Ética zero,
respeito nenhum, honestidade banida do dicionário. Hoje em dia existem
herdeiros no poder, muito mais inescrupulosos, manipuladores desprovidos de
alma.
Tudo isso, entretanto, não importa. Foram preâmbulos para
chegar ao ponto em questão. A ideia de que a velhice torna a todos um exemplo
de vida, personagens respeitados e respeitáveis. A sensação de que velhos não
têm pecados.
As homenagens emocionais que colocam em destaque mais a
quem homenageia do que quem é homenageado, a pretensa santificação do idoso,
que observa a tudo desconfiado, um sorriso levemente debochado por trás das
rugas experientes, pensativos. Estariam os homenageadores querendo insinuar que
todos os velhos são sábios? Que nenhum deles jamais cometeu erros ou
atrocidades quando mais jovens? E se cometeram, seu caráter melhorou com a
idade? Idosos viram santos porque estão mais próximos do fim da vida como a
conhecemos?
Esses pensamentos
despertam uma fagulha de inquietude, uma insatisfação dissimulada, um vislumbre
de que tudo seria diferente, para melhor, sem as decisões hipócritas, sem a
fuga da simplificação das coisas, em que todos seriam tratados igualmente como
seres humanos, e respeitados a partir das aptidões de cada um, mantendo uma
hierarquia baseada na honestidade, respeito e competência, tempo de
existência...
Se isso algum dia funcionará? Não sei. Só sei que deveria.
Marcelo
Gomes Melo
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