A
máquina removedora de vidas antigas
A
ela foi dito que, com as novas descobertas e inovações tecnológicas, bastava
apertar aquele botão à sua frente para zerar a vida como ela a conhecia e havia
vivido até ali, recomeçando do nada uma outra, sem os erros cometidos,
profissionais, financeiros e amorosos, esquecendo as decepções, as perdas e
fracassos para produzir algo novo, com o prévio conhecimento adquirido por uma
pessoa que alcançara o estágio de meia idade, e com ela uma série de conquistas
pessoais e coletivas dignas de orgulho. Não as teria novamente ao reconfigurar
a vida, dar um boot no sistema e assumir o arbítrio de conhecer as vitórias
para aprimorá-las como quisesse, multiplicando-as ao ponto de dobrar, triplicar
o seu status.
É claro que, sabendo dos erros que
cometeu, dos arrependimentos que colecionou e das falhas que a prejudicaram e a
outrem, poderia consertar sem remorso imediatamente. Tudo aquilo apertando
apenas o bendito botão à sua frente!
Foi aí que se pôs a pensar nas maravilhas
que produziria para si e para o seu círculo de amizades, colaboradores
profissionais e relacionamentos amorosos. Iria consertar as mancadas que
decepcionaram os pais, que feriram os amigos e terminaram abruptamente com os
amores. Seria a primeira moradora de um paraíso particular sem enganos ou
perdas. A felicidade batendo à sua porta!
O que estava esperando para acionar
tal maravilha magnífica removedora de vidas experientes, substituindo-as por
outras perfeitas e longevas?
O seu coração acelerou até parecer uma
enorme máquina da qual dependiam todos os sistemas a ela conectados, caso
explodisse as chances atuais e futuras seriam perdidas para sempre.
Algumas
considerações deveriam ser feitas, entretanto: zerar uma vida e recomeçar não
garantiriam as mesmas pessoas em sua vida. Não atestariam que as mudanças não
influenciariam novos acontecimentos os quais modificariam tudo o que ela tinha
conquistado e que formava o ser humano que ela era naquele momento. Todas as
cicatrizes que personalizavam o seu lugar no mundo como ser humano único,
individual e diferente de todos os outros seriam eliminadas para sempre!
Isso significava dizer que ela,
conforme selo original abençoado por Deus e bonito por natureza sumiriam do
mapa. Todas as experiências se tornariam salobras e inodoras! Valeria a pena
transformar-se em um arremedo de ser vivo, desprovido das marcas que a faziam
ser quem era para viver uma vida artificial, sem surpresas e sem nenhum risco,
que é o que assumimos durante o nascimento e a morte para garantir a nossa
centelha de existência?
Ela raciocinou sobre os prós e os
contras, observando o botão por um longo período sem se mover. Até que tomou a
decisão. Determinada atirou o botão pela janela, lavou as mãos e as secou no
avental. Sorriu pensativa, mas satisfeita com a escolha de viver com
imperfeições e riscos, contando com a família e amigos, além da valiosa ajuda
divina para traçar o seu rumo no mundo, da forma como tiver que ser. Firmemente
ergueu o queixo e caminhou com os olhos brilhando rumo ao restante de sua vida,
real e abençoada.
Marcelo
Gomes Melo
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