Indivíduo
nas alturas distante de Deus
Da
sacada do apartamento no trigésimo andar ele vê as nuvens, porque é do seu
sentimento procurar sempre o alto, não importa onde esteja.
Em seguida volta o olhar, relutante,
para enfrentar os gigantes de cimento e aço erguidos pelas mãos humanas para
ocultar o sol, proteger do vento e da chuva e demonstrar o poder que,
simbólico, espalha-se pelos cérebros menos favorecidos e os controla
indiscriminadamente.
Ele enxerga as sombras aterradoras e
as luzes artificiais que enganam, constroem um novo local de sobrevivência que
é um corpo estranho fincado no coração do planeta, um quartel de onde
desenvolvem todo o tipo de experiência usando outros seres, outros bens
naturais e outros semelhantes.
Do trigésimo andar, agora com o
auxílio de potentes óculos ele enxerga os seus semelhantes, ínfimos, caminhando
como formigas por entre os edifícios, desviando de outros micro organismos idênticos,
com pressa, focados cada um em seus problemas, prontos para realizar os
objetivos dos que possuem os prédios e a vida dos que os constroem
arriscando-se por quase nada, manipulados que são durante toda uma existência
sem se darem conta disso um minuto sequer.
Os que se dão conta não suportam, são
vítimas ainda maiores porque se matam, se excluem da pantomima armada pelos
comandantes que produzem o caos para manter sob as rédeas os não
suficientemente ambiciosos, e os premiam pela docilidade com o mínimo, algo
parecido com a felicidade, relegada a uma cerveja gelada e um bater de bumbos
no meio da cacofonia desorganizada que desabilita cérebros e domina através de
cobranças e prêmios pequenos.
Ele
observa lá de cima os seus semelhantes adestrados, defendendo ideais obscuros
que não são verdadeiros, rebelando-se contra um monstro criado pelos monstros
que os induzem e utilizam como boi de piranha.
Inscritos nesse contexto, a vida
segue, os seres minúsculos são esmagados, os sobreviventes lamentam, curam as
escoriações e adiam a morte para outro dia, pois precisam brigar mais um pouco
contra as dificuldades que lhe são impostas além do que merecem ou acreditem.
Voltando o olhar além das nuvens,
agora ele aprecia o vazio, e desejando ou não o pensamento lhe cruza a mente
conturbada. Ele finalmente percebe o quanto ainda, mesmo daquela altura, ainda
está longe de Deus.
Marcelo
Gomes Melo
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