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A vida secreta dos seres noturnos



          As noites em claro que costumo passar há anos, me ensinam comportamentos novos, diferentes dos das pessoas diurnas, aquelas sempre dispostas a sorrir para esconder os seus terrores, enganando antes de tudo a si mesmas, vendendo atitudes anormais como se fossem padrão, defendendo pontos de vista os quais não necessariamente acreditam só para obterem a sensação de que participam da panela maior em que todos concordam com o óbvio e se martirizam escondido em nome de um status quo sem muita importância em um mundo que atravessa um período de transição gigantesco.
          À noite a percepção fica mais aguçada sob o signo do silêncio, e os enganos mais vívidos, o cinismo é aceito e a ironia é uma arma pacífica que causa estragos e determina rumos diferentes dos escolhidos pelos acomodados, os que preferem fazer parte da grande máquina que devora pessoas e as hipnotiza de forma a tomarem decisões abruptas e desesperadoras, que os prejudicará a longo prazo, mas oferece uma falsa sensação de segurança, embora estejam sendo manipuladas constantemente.
          Os seres noturnos contestam a tudo; a eles mesmos e aos que os cerca; sofrem por isso, radicalizam a existência e nem sempre sobrevivem à verdade nua e crua, virando estatística fria, sem que ninguém saiba o porquê de flertarem com o abismo obsessivamente até que sejam derrotados.
          Não escapam impunemente porque conhecem mais o que se esconde por trás dos corações humanos, a necessidade que os obriga a trair os pactos de honra e ainda dormir o sono dos justos. Não há justiça! Há portos nem sempre seguros que desafiam o tempo todo àqueles que escolhem viajar, conhecer e silenciar, surpresos e ao mesmo tempo inquietos, rebelando-se contra a imensa maioria de ovelhas que caminham para o abate todos os dias, aparentemente felizes com a ignorância com a qual são brindadas, e que é bondosa porque não os permite perceber a realidade de suas vidas vazias, com falsas perspectivas, nulas, repetitivas.
          Nesse ponto se igualam. O destino é o mesmo, mas os que vivem à noite sofrem mais por saberem mais, privados da bondade que é viver no escuro sem enxergar a escuridão que os cerca, a ladeira que os guia a um final indeterminado e incerto. Bois a caminho do matadouro.
          Os noturnos acabam da mesma forma, não há vantagem nenhuma em perceber a matrix, além de causar um fim mais sangrento e assustador para cada um dos despertos.



Marcelo Gomes Melo

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