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Lenda Urbana: O professor sem cabeça



          Reza a lenda quatrocentona que, pelas escolas públicas ou privadas de São Paulo, nos meses de julho e agosto, sempre após as 22h50, durante a última aula noturna, que termina as 23h00, todas as sextas feiras o terrível professor sem cabeça surge carregando em uma das mãos a própria cabeça decepada, de olhos arregalados por onde escorre sangue negro ressecado, e dentes arreganhados numa expressão de ódio insano e dor descomunal, e na outra um enorme facão de açougueiro ensanguentado, com o sangue vermelho vivo ainda pingando, contrastando com o brilho ofuscante da lâmina afiada.

          O atormentado professor percorre todos os recintos dos colégios procurando por seus alunos, e quando encontra algum retardatário, o esfola vivo e em seguida começa a separar seus órgãos, pedaço por pedaço, acondicionando em potes de vidro com álcool e enfeitando as prateleiras dos laboratórios de ciências. Os urros ensandecidos do aluno vitimado permanecem para sempre gravados na memória dos corredores das escolas, assombrando os lugares nas noites de frio e chuva.

          Como foram esfolados e tiveram os órgãos arrancados um por um enquanto ainda viviam, os alunos, acredita o temível professor, terão a sua última e mais completa aula de ciências e biologia, baseada em exemplos reais os quais jamais esquecerão.

          Todos os péssimos alunos, relapsos, desmotivados, desinteressados, rebeldes, praticantes de bullying e desrespeitosos e destruidores do patrimônio têm a preferência do professor sem cabeça, como punição por todo o tormento que lhe causaram e o fizeram habitar as profundezas dos infernos para todo o sempre.

          Qual o motivo para que esse ser angustiado e assustador percorra as escolas ano após ano, durante os meses de inverno, eliminando alunos das maneiras mais dolorosas e aterradoras possíveis? Alguém pode imaginar?

 
           Ele era um pacato e aplicado professor de ciências e biologia que amava a sua profissão e valorizava o seu trabalho. Pertencia à velha guarda e ia lecionar vestindo terno e gravata, com uma rosa na lapela de seu risca de giz; usava, vez por outra, a gravata de seda para limpar os óculos aro de tartaruga. Sorria e cumprimentava a todos com uma humildade tocante. Relevava as pequenas maldades cometidas pelos alunos, que o usavam como alvo para guerra de bolinhas de papel, colocavam moldes em cera de pênis gigantes em sua cadeira, para que ele sentasse, gritavam uns com os outros durante todo o período de aula, grudavam chiclete em sua caixa de giz... Jamais prestavam atenção em suas explicações nem se interessavam pelo conteúdo tão bem preparado para que alcançassem a tão esperada evolução cultural.
          Com o passar do tempo o dócil professor foi ficando uma pessoa extremamente fechada, nervosa, trêmula, caminhando de olhos esbugalhados e vermelhos por causa da insônia. Era um zumbi pelos corredores da escola, sem forças para superar o tratamento selvagem que recebia por parte de seus próprios alunos!
          Como residia com os velhos pais, os deixava muito preocupados com sua mudança cruel e visível, então tentava ao máximo disfarçar o ódio que se acumulava em sua cabeça e em seu coração.
          Engolia reclamações dos pais dos alunos, que o acusavam pelo péssimo desempenho dos filhos; sofria com a pressão de seus superiores hierárquicos para cumprir o plano anual de trabalho; tinha cada vez mais cobranças e menos tempo para preparar um conteúdo satisfatório e ordens cada vez mais rígidas que o obrigavam a ser tolerante com os erros e produzir notas satisfatórias para que todos fossem aprovados, mesmo sem condições ou merecimento, pois os políticos precisavam ostentar uma estatística enganosa para o FMI e afins, garantindo que o país evoluía a passos largos para se tornar uma potência com cidadãos altamente alfabetizados e dotados de imensa cultura.
          Mesmo com tudo isso, com a ira habitando e se enraizando em suas entranhas, forçando continuamente para explodir, ele continuava o seu calvário, quieto, ombros alquebrados, arrastando os pés, cabeça baixa, destituído de toda a dignidade humana. Entretanto, como em todas as tragédias  humanas irremediáveis, um  clique basta párea atear o fogo fátuo da destruição do mundo!
          O sempre afável professor, que sempre cuidava e respeitava aos pais idosos, e os adorava plenamente e jamais erguia a voz para se dirigir a eles, um dia, após um período de aula mortal, que sugou todas as suas forças e paciência, que foi humilhado e rejeitado, perdeu a calma e gritou com os pais, recusando o almoço oferecido. Armou-se de uma navalha e um enorme facão de açougueiro e saiu, apressado, massacrando a terra com os pés inquietos.
 
           Já era noite quando os pais do professor, desesperados, após entrarem em contato com a polícia e com hospitais, sem nenhuma notícia dele, chegavam à escola, último reduto no qual podiam buscar pelo filho. Encontraram os alunos dele, em frente ao portão de entrada, brincando uns com os outros entre palavrões e chutes nas mochilas de materiais escolares. Dirigiram-se a eles e perguntaram pelo filho. Os alunos, de alma genial e bondosa, resolveram pregar uma peça nos idosos, informando que viram o professor a caminho de uma pedreira, não muito longe da escola.
          Os velhinhos, apavorados, correram como puderam para o local, preocupados com o filho professor. Quarenta minutos depois, apenas com uma pequena lanterna, se enfiaram num lugar escuro e perigoso, cercados por pedregulhos de todos os tamanhos, à procura do homem. O que eles desconheciam é que haveria, dentro de minutos uma ação dos trabalhadores da pedreira, dinamitando o local.
          O professor saíra de casa louco de raiva , mas passara a tarde em uma igreja, tentando acalmar o coração e a alma, ajoelhado, conversando com Deus. Ao sentir-se mais tranquilo voltou para casa, e ao não encontrar os pais, que jamais saíam de casa foi tomado pelo pânico. Os vizinhos o informaram de eles estavam preocupados e foram até a escola, procurá-lo.
          Ele correu imediatamente para seu local de trabalho, o coração aos saltos, com medo de que os pais se perdessem ou sofressem algum acidente. Na escola lhe contaram a respeito da brincadeira feita por seus alunos, que enviaram seus pais à pedreira.
          Alarmado e enlouquecido saiu rasgando em busca dos pais. Era a gota d’água! Meia hora depois, suado, nervoso e armado adentrou os limites da pedreira gritando pelos seus pais. Logo apareceram trabalhadores correndo com seus capacetes cor de laranja, acenando irritados e impedindo que ele passasse dali. Não entendia uma palavra do que diziam. Visualizou os pais ao longe, em cima de uma enorme rocha. Tentou chamá-los, mas a voz não saía!
          Imobilizado pelos homens restou-lhe ouvir os primeiros  estrondos das dinamites explodindo e as pedras desabando sobre seus pais. Uma nuvem de rochas e poeira. Chorando, mantido seguro pelos homens, a boca escancarada cheia de dentes observando a morte chegar para os pais, soterrados sem que ele pudesse ajudar, os dedos das mãos crispados na direção dos escombros...
          Era uma extensão de seu trabalho. Não podia fazer nada para ajudar aos alunos, porque estes não o queriam; não podia fazer nada contra o sistema, porque este o engolia. Era uma marionete que não podia mudar as coisas para melhor.
          Com os olhos esbugalhados por onde as lágrimas corriam livremente, dentes cerrados e corpo retesado, ele não se moveu. Seus gritos cessaram com as explosões. Os trabalhadores da pedreira contaram depois que sua impassibilidade era assustadora; sua mudez, agressiva.
          Largaram-no para correr ao local e tentar verificar a possibilidade de um milagre que tivesse salvado os idosos. Improvável, mas era a atitude esperada. Deixaram-no lá, imóvel, observando o vazio. Quando a poeira abaixou, os trabalhadores presenciaram o milagre! Os velhos estavam sob uma saliência na rocha maior, cobertos de pó, mas escaparam com vida! Colocados em macas e respirando um tubo de oxigênio foram descidos com segurança; informaram que o filho estava logo ali perto, esperando por eles e que logo a ambulância chegaria.
          Levaram-nos ao local para encontrar o filho. Realmente ele continuava no lugar, mas a imagem vista por todos era terrível. A cabeça separada do corpo, o chão ensanguentado, a navalha entre os dedos rígidos. Suicidara-se e fora para o inferno com ódio, querendo vingança!
          Os pais, vítimas do choque morreram na hora, infarto fulminante.
          A tragédia rendeu muitas manchetes, polêmicas e dinheiro para a mídia, como sempre. Desde então o professor retorna em busca de punição, formando classes e classes de alunos no inferno. Cuidado! Atenção nos corredores da escola. Você pode ser o próximo!



                                          Marcelo Gomes Melo

2 comentários:

  1. Excelente narrativa que poderia muito bem ser o espelho da vida de alguns professores dedicados e conscientes. O sistema e a opinião condicionada da sociedade levam muitas vezes ao desespero. Que o professor decepado vá atormentar os ministros da educação e os "meninos rabinos"! rs

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  2. Rs...Tem razão, Luísa. Muitos desses citados por você provavelmente estejam apavorados, sob a própria cama, batendo os dentes, agora. Rs... Honrado com o comentário. Valeu!

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