Isso
é só o fim!
Eu poderia dizer que o
acontecido se deu por minha cabeça andar nas nuvens, e meus passos sequer
tocarem o chão; por minha boca saborear o algodão doce cor-de-rosa que
desmancha na língua dos apaixonados, sequiosos por maravilhas que os alimentem,
espírito e carne.
Claro, eu obviamente poderia alegar que meus olhos a
buscavam incessantemente nos quatro cantos, o tempo todo, e no horizonte, ou
além dele, até. E os olhos de quem procura para lá da fé, com a certeza que o
pensamento fornece e a incerteza que o coração, um segundo depois o desmente,
causa incertezas e contradições.
Ninguém ousaria me contradizer caso eu afirmasse que
trilhava o caminho das emoções naquele momento, completamente hipnotizado pelas
promessas que enxergava perto o suficiente para jamais desistir.
A verdade é que eu caminhava pela estrada desnivelada,
esburacada e suja da cidade grande, os ombros encurvados, os pés chatos em “dez
para as duas”, me arrastando, olhar cheio de sombras, vidrados como o olhar dos
fanáticos, alijados da parte alegre da vida. Embriagado pela rotina, enfurnado
em mim mesmo, com escoras em meus sonhos e a base firme como geleia, torcendo
para não desmoronar tristemente e não mais retornar ao mundo dos vivos, à superfície
dos que são movidos por objetivos valiosos.
Como iriam me negar o benefício da dúvida caso eu contasse
que a culpa pelo que houve foi do tempo, ensolarado demais, com céu de
brigadeiro a atormentar os meus raios e trovões interiores? Quem iria retrucar
se eu apontasse a providência divina me punindo por minhas culpas, chicoteando
por todas as dúvidas, me tornando uma vítima, um mártir das circunstâncias?
Fato é que a vida causa
essas coisas sem explicação, no meio do dia, quando nada parece impedir a
ninguém de realizar qualquer coisa. Naquele instante em que a maioria dos seres
se sente invencível, a não ser os alquebrados que se recusam a fincar pé e
resistir. Esses jamais seriam vítimas de incidentes como o meu, pois vivem
tateando o caminho, como bois nos corredores para o abate, seguindo sempre na
mesma direção, conformados. Quem estufa o peito e sorri confiante, dono da
área, provavelmente será lembrado da própria insignificância quando menos
espera.
Eu poderia ter disfarçado e fingido fazer flexões, embora
fosse parecer extremamente improvável, inviável e louco, naquele lugar. Mas
esses vendedores de saúde química de hoje em dia estão sempre prontos a exibir
o sorriso de plástico e os músculos de shake, por que não eu?
Simples. Porque não tenho o perfil para essas tragicômicas
atitudes, então refleti exatamente o que sentia no momento: um ser embasbacado
e enfraquecido, derrotado pelo invisível, humilhado pelo absurdo, agradecido
pelo apoio moral recebido, e depois entristecido como só os que viram o centro
das atenções sem querer se sentem.
A realidade mais fria e consequente foi que tropecei no
nada, ali naquela esquina. Me vi destronado da dignidade do equilíbrio, me
esborrachando em câmera lenta no cimento quente, rolando surpreso, dominado
pela gravidade, joelhos, mãos e cotovelos feridos, tornozelo torcido, o orgulho
ainda mais. Tentei recolher os documentos que escaparam da pasta que carregava
antes que o vento os levasse, me transformando ainda mais em um ridículo
personagem de desenho animado. Consegui, ajoelhado, velozmente fechando a
pasta, olhando para todos os lados, checando as testemunhas do tombo
descomunal. Daquele ângulo desconfortável não vi ninguém. Estava me erguendo,
coração aos saltos, respirando fundo para me recompor do susto, quando, de trás
de um poste surgiu, sabe-se lá como, um casal de testemunhas, perguntando,
preocupados, se tudo estava bem comigo.
Com um sorriso amarelo,
sem encará-los, batendo a poeira da roupa, respondi que, 90% de vergonha, 10%
de dor; fora isso, tudo certo.
Eles se foram, sem sorrir. E eu chorando por dentro.
Marcelo
Gomes Melo
Uma coisa tão normal cair, mas sempre temos vergonha neh?
ResponderExcluirSem falar que eu não consigo não rir se vejo alguem cair rsrs.
Mas isso é só o fim rsrs
Normal para quem não caiu, Silmes. rs... Eu consigo ficar sério, sinto vergonha alheia, me coloco no lugar de quem caiu. rs...
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