Ele
subiu ao palanque e ajeitou o microfone no púlpito com a segurança dos mitos,
os poucos que ficarão para a história por ter colaborado enormemente com a
evolução da humanidade. O guarda-pó sobre a camisa e gravata escolhidas
especificamente para a ocasião. Por trás dos óculos o olhar arrogante e fixo
nas câmeras de TV e na pequena multidão de jornalistas presentes, ávidos por
notícias fantásticas, de preferência péssimas que aumentarão a audiência, e com
a audiência patrocinadores, e com patrocinadores, dinheiro, e com dinheiro,
poder.
Momentos
antes havia feito gargarejo para melhorar a voz, que sairia empostada quando
transmitisse o seu feito magnífico digno de um gênio, que o eternizaria como o
homem, o cientista, o salvador da humanidade.
A
grande notícia era de que ele conseguira o que todos os cientistas do mundo
tentavam há tempos! Sozinho, trabalhando em silêncio realizara a maior
descoberta dos últimos séculos, talvez dos próximos. Encontrara a cura para o
vírus que causara pandemia mundial matando muita gente!
O
toque de gênio se dera por conta da abordagem, principalmente. Enquanto todos
procuravam uma vacina que contivesse o vírus e evitasse as mortes que se
multiplicavam rapidamente, ele, o homem, o mito, o cientista-mor buscara uma
alternativa, e estava pronto a demonstrar ao vivo para o mundo inteiro.
Ele
estava pronto a aceitar doações dos governos e dos trilionários de todo o
planeta para produzir em massa as vacinas que inventara imediatamente! Com uma
expressão no rosto que julgava ser a mais humilde possível, baixou os olhos e tentou
esconder os dentões para fora do sorriso satisfeito consigo mesmo que viraria
facilmente uma gargalhada. O que conseguira foi fazer do próprio rosto uma
máscara horrível de um cidadão arrogante e anormal que já se julgava um
semideus, talvez até o anticristo!
Já
abandonando a falsa modéstia que tentou inutilmente sustentar, abriu os braços
e saiu bradando que o foco da questão não era o vírus em si; todos pegariam o
vírus e fatalmente morreriam, era inevitável. Então ele trabalhara
incessantemente com os próprios recursos para inocular aos mortos. Sim, em vez
de vacinar aos vivos, o faria nos mortos, ressuscitando-os!
Todos
esperariam tranquilamente falecer por causa do vírus e quando não houvesse mais
vivos ele desapareceria. Logo seriam ressuscitados pela vacina que ele criara!
Era genial! Ninguém pensara em algo tão brilhante!
Ele
ouviu os murmúrios crescendo entre as pessoas que o assistiam pessoalmente. De
cabeça baixa aguardou os gritos que o elegeriam a semideus, não, a deus da
humanidade! Surpreso notou que os gritos mais pareciam rosnados hostis, e
quando ousou erguer os olhos constatou tarde demais o ódio explícito dos
presentes, que partiram para cima dele sem dó, iniciando imediatamente o
linchamento. O caminho dele fora sem escalas para o inferno, da pior maneira
possível.
Marcelo
Gomes Melo
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