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Esses tempos exóticos em que vivemos



Parecia um daqueles romances maravilhosos, na parte triste em que o casal que se ama tem uma briga, e resolve, mesmo a contragosto, se separar, e faz com que os espectadores chorem como crianças com o drama dos mocinhos, seja no cinema ou na TV.
Ela, com os olhos banhados por lágrimas sai do carro, enquanto ele, de lábios trêmulos e olhar mais triste do que o de uma pessoa que ganhou na loteria e perdeu o bilhete, a observa se afastar lentamente, a canção de fundo e a iluminação tornando tudo ainda pior, com a diferença de que era a vida real.
Após momentos de indecisão ele toma impulso para sair do carro e partir atrás dela, mas esquece que estava com o cinto de segurança e quase enforca a si mesmo. Por sorte apertou o botão a tempo, e com o rosto avermelhado, com dificuldades para respirar, tentou cruzar a praça para alcança-la do outro lado, andando encurvada, abraçando a si mesma com a mulher mais miserável do universo.
Ele tentou correr com seus sapatos italianos brilhantes, olhando apenas para ela, e não para os obstáculos no caminho. Escorregou na areia em que as crianças brincavam de dia, tropeçou no escorregador e gritando de dor tentou espalhafatosamente manter o equilíbrio, os braços esticados procurando algo, mas encontrado apenas espaço vazio. Tombou e enfiou a testa no poste de vôlei. Meio tonto, a cabeça sangrando, correu desajeitado para atravessar a rua.
Àquela hora da noite não havia movimento, então correu sem olhar, cruzando à frente do caminhão de lixo estacionado. Não viu o outro caminhão de mudanças que vinha em alta velocidade... Guinchou como um porco no matadouro quando foi atropelado, chamando a atenção dela, que viu o exato momento em que a pancada quebrou todos os ossos do corpo e o arrastou por metros e metros antes de parar.
Chocada e desesperada caminhou até a cena. O motorista, apavorado ligando para a emergência, o companheiro de trabalho que o acompanhava no caminhão ajoelhado junto ao corpo, sem o tocar constatava que mais parecia um invertebrado do que um humano. Morto. Por amor? Por azar? Azar na vida ou azar no amor?



Ali parada, chorando, ela tremia em choque quando a polícia e a ambulância chegaram. Uma policial perguntava se ela havia presenciado, se o conhecia, mas a voz dela não saia. Apenas soluços e lágrimas.
O romance acabara de virar tragédia. A família do rapaz chegou. A mãe urrava como uma maritaca, e o pai, um sujeito atarracado com cara de mafioso encarou a garota estática ali na esquina, com uma policial procurando acalmá-la. Com um olhar de ódio, culpando-a pelo acidente, foi até o carro, abriu o porta-malas e retornou empunhando uma chave de rodas. Sem uma palavra partiu para cima da nora e segurando a barra de ferro com as duas mãos acertou-a à altura dos joelhos, quebrando-lhe as duas pernas. A moça, em choque, caiu, chorando como um pardal. A policial tentou intervir, mas foi atingida na testa pelo velho irado e caiu entontecida e ensanguentada. O sogro voltou ao ataque e golpeou a garota no meio da cabeça, que se abriu como um coco verde.
Ao presenciar a parceira machucada, o outro policial, que estava perto do corpo esfacelado sacou a arma e não hesitou em cobrir o velho de balas. Esvaziou o tambor, e o pai do morto se estatelou contra a virtude de uma loja, caindo já sem vida. Iria acompanhar o filho para onde quer que fosse. A tragédia acabara de virar terror.
A velha, descabelada, urrava ainda mais o alto como um sinal de fábrica, correndo do filho esmagado, que parou uma minhoca gigante, para a loja em que o marido jazia como um tomate esmagado.
Mais carros de polícia e a imprensa na área, os parentes da moça chegaram em seguida: quatro irmãos halterofilistas, mãe lutadora de judô e pai recém saído da cadeia por feminicídio. Quando entenderam o que houve com a moça foram todos para a velha gritalhona, espancando-a sem piedade, batendo a cabeça dela na parede, enquanto a polícia se via obrigada a elimina-los a tiros. Não antes que a velha fosse detonada até a morte.
O dia amanhecia e a cena estava cercada com fitas amarelas, a polícia tirava fotos, e os corpos eram cobertos com lençóis brancos até que a perícia chegasse ao local.
Os primeiros transeuntes passavam curiosos, se cumprimentando e tentando descobrir o que acontecera. Logo chegavam à conclusão de que era alguma filmagem de novela e seguiam rumo aos seus trabalhos.
A vida real mistura-se à arte diversas vezes, e fica quase impossível distingui-las nesses tempos exóticos em que vivemos.


Marcelo Gomes Melo




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