Amor
Maior do que a ganância, estupidez maior do que o amor
Sacou
a karambit com velocidade e saltou sobre a mulher atônita na semiescuridão da
sala, decidido a desferir o golpe fatal, sem hesitação. Entre os dois havia uma
mesinha de centro com tampo de vidro na qual ele desajeitadamente tropeçou e
caiu, cortando-se todo com os cacos de vidro, enquanto ela, imóvel, paralisada
pelo terror havia fechado os olhos, esperando o golpe que a mandaria para a
terra dos fantasmas. Não aconteceu. Segundos após a barulheira do assassino
tropeçando e caindo sobre a mesinha e despedaçando-a, ela abriu os olhos e se
deparou com muito sangue espalhado no carpete em volta do corpo do homem.
Acendeu
a luz, trêmula, e olhou com dificuldade aquele indivíduo estendido no chão de
sua sala, vestido em negro, todo torto, paralisado pela morte. Na queda,
acidentalmente ele resvalara a afiada lâmina da faca no próprio pescoço,
falecendo no processo. Era o que parecia a um primeiro olhar.
Era
o assassino a soldo mais estúpido e desastrado de todos os tempos, comentaram
os policiais ao chegar ao apartamento. Provavelmente era um aprendiz tentando
cumprir o primeiro contrato, e se dera mal. Tudo levava a crer que fora contratado
pela internet, e pago através de bitcoins, mas logo tudo seria desvendado,
afirmou o detetive à mulher que bebia água, apavorada.
Não,
não sabia quem poderia querer matá-la, não tinha inimigos, que soubesse. Quando
um policial arrancou a touca de motociclista
que o assassino suicida usava, deixando apenas os olhos à mostra, ela teve um
ataque de nervos, chorando compulsivamente!
A
mulher conhecia aquele homem! Sim, se conheceram há dois meses na feira, e ele
fora gentil e engraçado, ajudara a carregar as frutas para ela e pagara pastel
e caldo de cana. A partir dali trocaram telefone e se tornaram amigos, se
encontrando religiosamente na feira uma vez por semana para compartilhar pasteis
e caldo de cana, conversar banalidades e aprofundar o interesse um pelo outro.
Ela
o convidara para jantar em seu apartamento, e ele aparecera pontualmente, de
blazer, com flores e uma garrafa de vinho. Não passaram a noite juntos, embora
tivessem desfrutado de um jantar agradável.
O
homem era divorciado, vivia sozinho e era empresário, dissera a ela. Possuía
uma pequena empresa de plásticos e empregava oito funcionários. Era pouco
ambicioso e vivia aparentemente bem, com um certo conforto. Era um bom partido,
educado, um pouco tímido, não fizera avanços durante os encontros; ela já
estava pensando em tomar a iniciativa, contou aos policiais. Não, não sabia por
que ele tentara matá-la.
As
investigações foram eficientes. Encontraram uma carta que ele deixara para ela
em seu criado-mudo, contando o motivo pelo qual teria que matá-la,
surpreendentemente.
O
homem fora contratado por um vizinho dela, com o qual a mulher não se dava há
anos. Viviam brigando nas reuniões do condomínio e esse inimigo aproveitou a
chance de cultivar no dono da pequena firma a ganância. Ofereceu dinheiro
suficiente para que ele aumentasse a empresa, contratasse mais gente e vivesse
como um empresário mais bem sucedido. Para isso bastaria eliminar a inimiga discretamente.
Nessa época ele não a conhecia, então
inspirou-se nas séries que assistia na Netflix e passou a vigiá-la, aprender
tudo sobre a rotina dela. Aproximou-se casualmente na feira e tornaram-se
amigos. O que ele não contava era apaixonar-se por ela, duas almas solitárias
que poderiam viver felizes para sempre.
Tentou
quebrar o contrato, mas o vizinho não aceitou, ameaçando processá-lo e expor a
sua tendência assassina. Além do que já havia recebido metade do dinheiro. Desesperado,
vestiu-se de preto, armou-se e tentou eliminar a mulher da sua vida. No meio do
ataque viu que o amor era maior do que a ganância e agiu corajosamente
atirando-se sobre a mesinha e cometido suicídio.
Era
melhor se matar do que viver sem a paixão de sua vida. E através de um
testamento deixara a empresa para ela. Caso resolvido.
Meses
depois ela vendeu a firma, o apartamento e fugiu com o vizinho, suposto
inimigo, que largou a família para viverem juntos em lugar incerto e não
sabido. A trama armada por ambos dera muito certo, escolhendo o pato perfeito.
O plano perfeito.
Marcelo
Gomes Melo
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