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Incapacidade de amar



O que posso dizer? Separados por um oceano ou dois, frequentamos o mesmo planeta, cobertos pelo mesmo céu, em tons diferentes, compartilhando o oxigênio que resta, sem escolhas. É assim que tem que ser.
Ao acender o fogo que aquece a minha refeição, não penso em nada. Sentado à mesa, saciando o vazio no estômago, não serei capaz de relembrar os sabores, o cheiro... Mecanicamente preencho os requisitos mínimos para continuar vivendo até que não seja mais possível. É algo que não cabe a mim decidir, nem a ninguém, e saber disso equivale a entender a inutilidade da curiosidade, e mesmo assim os humanos insistem, envenenando a cada um compulsivamente até que tudo seja destruído, menos a razão para que, quem porventura restar continue ad infinitum: a curiosidade.
Olho a TV sem enxergar, sem ouvir o que dizem. As imagens não me prendem a atenção, ouço apenas o barulho do mar, das ondas contra os rochedos, das gaivotas, do vento morno que precede a tempestade. Oceanos nos separam. Desertos nos rodeiam. De ideias, de desejos, de água... E os dias se seguem, desatentos aos meus chamados silenciosos, ao engolir em seco e aos berros que continuam algemados na garganta, e se recusam a escapar através dos olhares que se fingem serenos quando deveriam ser letais, urgentes.
Os golpes na parede que não dei, exigindo a sua presença, ou qualquer resposta que entreabra os seus lábios e me permita retrucar, conspirar contra a sua indiferença hostil que nem corresponde à verdade!
Mil canivetes voem agora sobre mim sem que me atinjam! As trombetas inaudíveis de suas acusações, infligidas com o intuito de esconder o que sente, o que quer, o que precisa. A adaga afiada do seu sono confuso, inquieto, me mantém acordado até tarde. Cedo demais para sanar os meus ferimentos de amor, aos quais me recuso a entregar qualquer ruído ou reclamação, aceitando-os como parte do que sou.


Oceanos nos separam enquanto mal nos olhamos, e as palavras formais que trocamos se perdem no tempo e no espaço. Custo a retornar ao ambiente, e quando o faço, as perguntas martelam o meu cérebro e estremecem o meu peito, tentando descobrir se haveria vestígios de provas que me levassem a acreditar que você poderia, com a mínima probabilidade, a centelha mais pura de que os seus sentimentos reais, em algum momento se remeteriam a mim de alguma forma.
Tudo é impossível. Tudo é possível exatamente por isso, e lentamente as horas se arrastam. Pensar é um luxo ao qual não me dou o direito. Seria embaraçoso e triste descobrir que a distância entre nós, imutável e irritante, se criou por nossa incapacidade de amar.


Marcelo Gomes Melo
 
 

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