A
lápide malcuidada, cercada por ervas daninhas, quase escondida, carregava a
seguinte inscrição: “Esse foi-se, mas contra a própria vontade. Queria ter
ficado mais”.
Era
um cidadão revoltado pela, de acordo com os próprios parâmetros, eliminação da
roleta russa da vida antecipadamente, acabando com todos os planos que havia
feito e esperava realizar.
Ele
confiava plenamente ter sido um camarada exemplar em todas as suas atitudes,
era respeitoso, educado, seguidor das leis do homem e das regras divinas.
Lutara diariamente para suplantar os tropeços que se lhe apresentavam, mantendo
a solidez de caráter e a dignidade intacta, pontuando as pegadinhas e truques
os quais abalavam e contaminavam a maioria dos seus pares.
Como
estava acima dos pecados comuns, fruto da concentração e meditação que exigia
de si mesmo, da autopunição que constantemente realizava, por acreditar que
podia não saber porque estava se punindo, mas sempre havia uma pequena razão
que poderia nem ter notado, e isso contava pontos para a extensão de sua
permanência entre os vivos.
Mesmo
sendo uma provação atrás da outra, ele considerava uma honra estar entre todos
aqueles mortais vacilantes, que como ele tinham a mesma chance, mas não a mesma
força e resignação dele para viver espartanamente, diferenciando-se da grande
maioria, demonstrando ser o grande merecedor dentre bilhões de outros para
continuar a sua jornada na Terra, pisando firme no barro, rompendo barreiras
visíveis ou não, construindo um status humano impossível de não ser notado
pelas forças superiores, e o prêmio era mais força vital, cruzar incólume os
vales sombrios e não parecer tão cedo.
Teria
sido essa convicção de estar fazendo tudo certo, de se considerar uma alma
diferenciada, a sua única falha? Demonstrar arrogância, um excesso de confiança
em si mesmo a ponto de exigir não ser escolhido para deixar o plano terreno?
O
fato é que agora era tarde demais, o seu destino fora comer capim pela raiz e
não havia nada que pudesse fazer, a não ser deixar o protesto gravado em sua
lápide. Um urro silencioso para os céus protestando por ter vivido tão pouco.
Nascido
em 1908 – Falecido em 2008
Marcelo
Gomes Melo
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