A
razão pela qual as mulheres escolhem os melhores filmes
O
relógio na parede nos enganava marcando três e cinco da madrugada. A janela da
cozinha, quebrada, fazia o vento sibilar e alguns pingos de chuva molhavam a
pia e uma pequena parte do chão.
Na
sala, oculto na semiescuridão, lamber o sangue viscoso, vermelho, nojento e
malcheiroso parecia tão assustador quanto realmente era. Um escorregar da
língua na lâmina e não mais seria possível confessar oralmente. Se os olhos se
desviassem para a mão enorme que agarrava a arma branca como se fosse a um bebê
recém-nascido, eram visíveis as unhas longas e maltratadas, sujas de sangue
escuro. Mãos más, como os olhos frios e sem sombra de vida.
O
tique-taque do relógio e o barulho do vento e da chuva eram a sinfonia perfeita
para que as mortes continuassem. No chão, aos pés da enorme figura, o corpo
decapitado parecia uma boneca de pano, observado pela cabeça ensanguentada de
rosto contorcido ao qual pertencia. Observado é modo de dizer, os olhos estavam
furados, a cabeleira loira ensopada por ter sido batida diversas vezes com
violência contra a parede antes de ser separada do corpo.
O
cheiro de morte no ar era convidativo, significava que diversas outras ainda aconteceriam
em breve. O casal crispou as mãos, suando como porcos em uma sauna, os corações
saltando desesperados. A antecipação à chacina quase os fazia morrer antes. O
medo podia causar reações inesperadas. Suicidar-se para não ser assassinado,
por exemplo.
O
som de passos abafados e olhos esbugalhados, aquele arrepio na nuca e
dificuldade para respirar... O silêncio antes da inundação de berros, gritos
histéricos implorando por perdão, golpes de faca, ranger de dentes, o olhar alucinado
da enorme figura fazia a combinação perfeita para o sorriso vermelho de dentes
gigantes, salientes. O ódio e o terror misturados causavam reações impossíveis
de ignorar.
A
ceifada geral fazia os espectadores engasgar com pipoca, derrubar o
refrigerante e distribuir sorrisos nervosos até o final do filme.
O
casal saiu de mãos dadas do cinema, sorrindo amarelo, sem terem trocado sequer
um beijo durante duas horas de horror! O rapaz pensando arrependido pela
péssima escolha que fizera do filme, que não o permitira realizar o desejo imediato
que era o de bolinar a garota de todo jeito, beijar muito no escurinho do
cinema. Ela, da mesma forma, silenciosamente o amaldiçoava e se sentia tola ao
ponto de permitir que o tapado escolhesse o filme.
Essa
é a razão pela qual as mulheres escolhem muito melhor o filme para o primeiro
encontro! Concorde, imbecil, você não vai ter que assistir quase nada mesmo!
Marcelo
Gomes Melo
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