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 Obsessão por higienizar


Assistindo àquela belíssima mulher sambando na pista de dança como se não houvesse amanhã, ele se sentiu hipnotizado, maravilhado com tamanha naturalidade; ela exalava alegria de viver.
Ele pensou que poderia tentar a sorte com ela, oferecer um chope com pedaços de frango assado e conversar mais de perto naquela mesa pouco iluminada que escolhera, um pouco afastada. Com uma das mãos acionou o recipiente de álcool gel e espalhou pelos braços, tencionando manter os vírus afastados.
Quando a sambista sorriu olhando em sua direção não pôde deixar de notar os belos dentes brancos. Duvidou que fosse para ele aquela benção divina, olhou para trás, mas não havia mais ninguém.
A sorte estava sorrindo para ele! Só precisava higienizá-la antes de qualquer contato; aquele suor fétido escorrendo pelo corpo lindo, o vestido colado, molhado, a deixava ainda mais sexy. O desodorante devia estar vencido a essa altura, pensou, cheirando álcool gel em gesto automático, franzindo o nariz com cara de nojo.
A mulher veio dançar perto da mesa dele, dando altos moles, rebolando para ele, provocando-lhe uma excitação profunda.
Ah, se ela tomasse um banho! Imaginou-se de macacão plástico, luvas de borracha e escafandro protetor, no chuveiro com ela nua, esfregando cândida e detergente em seu corpo, livrando-a dos germes e deixando-a limpinha, pronta para ele.
Quando a mulher dançou a dois metros dele, sensualmente, não conseguiu deixar de se encolher, não conteve o nojo do vento que soprava em sua direção, levando a onda de mau cheiro de precheca mal lavada  com sovaco podre que provocava ânsias de vômito e tirou as naftalinas dos bolsos para inalar, desesperado.
Ela virou de frente chacoalhando os ombros e sorrindo, quase debruçando-se sobre ele. Não resistiu. Em pé cruzou o olhar com ela, percebendo o quão sensual era a garota, e estava totalmente entregue. Aquele chope iria rolar, com certeza. Pele de frango frito também, e no fim da noite, com o nariz entupido de naftalina poderiam pegar um táxi até um motel com chuveiro potente e diversos produtos de limpeza. A partir daí a madrugada seria perfeita!
Ela deu dois passos em direção a ele e então aconteceu. Foi mais forte do que ele. Com um salto afastou-se dela, e com outro alcançou a porta de saída. Correu alucinado pelo corredor até que se viu na rua. Só então conseguiu soltar a respiração que mantivera presa e puxou fundo o ar, preenchendo os pulmões com o que acreditava ser ar puro fora daquele ambiente fechado, claustrofóbico do bar.
Então olhou de lado e percebeu o lixão acumulado justamente ali onde estava. Empalideceu mortalmente ao enxergar restos de animais mortos, sobras de comida estragada... Arroxeou e caiu estatelado em frente ao sambão, ao lado do lixão. A emenda saíra pior do que o soneto.


Marcelo Gomes Melo

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