Saiu
armado pela primeira vez na vida. Antes caminhava encurvado, cabeça
baixa, olhos fixos no chão, as mãos nos bolsos, trôpego e hesitante.
Também não ousava erguer a voz, gaguejava e nunca contra argumentava com
ninguém a respeito de nada.
Esse
cidadão invisível mal era notado quando chamava o garçom em um bar, um
táxi, ou na fila do pão. Quando uma mulher se dirigia a ele jamais era
por interesse na pessoa suada e trêmula, mas em alguma informação ou
para usá-lo como empregado, fazendo favores que jamais recebiam
agradecimento.
Então
ganhou de um amigo a arma. Um 38 no cano curto que, segundo o parceiro
iria mudar a sua vida. Incutiria confiança e aumentaria a autoestima,
tornando-o um outro homem.
Agora,
com a arma na cintura, estava com as sobrancelhas franzidas, o olhar
aterrador e incisivo que atacava o mundo com agressividade e um andar
firme, como se estivesse marchando. A voz engrossara e estava segura,
fácil de ouvir, e as palavras proferidas estavam muito mais claras, o
poder de convencer aumentara em mil por cento!
Imediatamente
passou a abordar mulheres com gentileza e bom gosto. Conseguia
convidá-las para um chá ou uma cerveja, e após o jantar tinha firmeza de
propósito para terminar a noite em um motel ou até na casa da
escolhida.
Passou
a contestar educadamente as decisões do chefe, e demonstrar através de
exemplos as soluções corretas, o caminho a seguir. Conseguiu aumento e
promoção, a vida mudou rapidamente e para melhor.
Em
contrapartida ele nunca mais largou o revólver. O carregava para todos
os lugares, dormia com ele, tomava banho com ele. Cuidava da arma como
se fosse um filho, limpava, beijava, ninava e conversava com ela.
Planejava construir um altar para ela no quarto, e inserir uma foto do
amigo que o presenteara com a coisa mais útil de sua vida. O produto que
o transformara em homem de verdade.
Marcou
palestras de autoajuda para homens como ele, defendendo a arma como a
ferramenta mais poderosa de masculinização do ser humano, incluindo
transsexuais. Bradava cheio de si, convencia através do exemplo e se
orgulhava de libertar muitos coitados sub-humanos como ele. Cogitava
abrir uma igreja para ampliar os benefícios pelo mundo.
Um
dia, após o sexo com a mulher com quem se relacionava no momento,
fumavam um cigarro tranquilamente, relaxados, quando ela, casualmente
comentou:
-
Eu acho um charme esse seu revólver de brinquedo! Parece até
verdadeiro, embora seja de plástico. Um homem gentil e pacífico como
você fica uma gracinha carregando uma arma de plástico para lá e para
cá. O meu sobrinho de sete anos tem uma igual.
Os
olhos dele quase saíram das órbitas. Os cabelos se eriçaram e começo a
tremer incontrolavelmente. A voz não saía. Fitava a ferramenta de
cancelar cpf sem acreditar que não servia para nada! Vomitou
barulhentamente sem ter nada para colocar para fora.
Assustada, a mulher ligou para a emergência e fugiu, com medo daquele farrapo humano totalmente diferente do cara que conhecera.
Quando
a ambulância chegou, a porta do quarto estava trancada e ele não
respondia. Ao derrubarem a porta encontraram-no em um canto encolhido,
posição fetal, chupando o polegar. Nunca mais foi o mesmo novamente.
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