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O amor ciumento com o passar dos séculos



          Cruel e maldoso, possessivo e belicoso. Sempre disposto a implicar e exigir, a pegar e demonstrar, por vias tortas, os sentimentos certos.
          Mordaz e insensível, insensato e sensitivo, embaralhando as cartas marcadas como se dependessem da última vida, não aceitando argumentos, declinando desculpas, acusando bravamente, sofrendo e fazendo sofrer.
          Um poder ilimitado de desconfiar, entender errado, bradar suas teses sem aceitar contra argumentos, loucura patética e insônia voraz. Ódio contumaz momentâneo, garrafas e garrafas de álcool esvaziadas, canções de teor duvidoso e lamentação vergonhosa.
          Ameaças infundadas, dias escuros, dores de cabeça, juras de morte e fuga da maturidade. Admissão parcial de culpa, conversa atravancada de olhos baixos e acusações veladas que podem reacender repentinamente a fogueira das vaidades, a tentação de sobrepujar ao outro mesmo que isso vá causar tristezas pessoais intransferíveis, como tomar veneno e esperar que o outro morra.
          Acabrunhar-se por dias, escorando-se nas amizades para desabafos homéricos em troca de tapinhas nas costas e um “vai ficar tudo bem” ensaiando e constrangedor.
          Um arremedo de violência contra a outra pessoa, não concretizado, transferido imediatamente para si mesmo com promessas vazias de suicídio, envenenamento, residência incendiada... Ida para o inferno por escolha própria em busca do sofrimento eterno e da dor irreparável.
          Tudo muda, entretanto, em piscar de olhos, quando uma frase combina subitamente, um pedido de desculpas febril é sussurrado, de ambas as partes, o choro se transforma em sorrisos e promessas de reconciliação eterna, que jamais será abalada por qualquer bobagem, o sol voltará a brilhar e o orgulho retornará aos corações e cabeças erguidas, de mãos dadas pelas ruas como se nada tivesse acontecido.
          Isso, meu caro, é o amor enciumado, a insegurança espalhada e disseminada relacionamento adentro, a necessidade perene de confirmação de fidelidade e amor recíproco.
          Bem, isso antes da Era do feminicídio, do machocídio e outros neologismos bizarros com os quais a sociedade tem que aprender a lidar até que novas modas se insurjam no dia-a-dia a ponto de abalar as regras implícitas dos amores problemáticos.
          Os séculos se atropelam enquanto as diferenças mudam e a batalha se acirra por ideais recém construídos por novos idiotas. Mais do mesmo, sobreviva a isso quem for mais apto.



Marcelo Gomes Melo
 

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