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Ausentando-se do mundo dos vivos



            O quarto movimento do homem é o mais decisivo em sua jornada, que pode ser interrompida por más decisões ou prolongada por atitudes que o beneficie, e a outrem, durante a provação constante que é viver como mais um dos habitantes do planeta. Considerando-se o mais racional, o único racional, o mais inteligente e capaz, ocupante do topo da cadeia alimentar, portanto sem predadores, e elegendo a si mesmo uma espécie de semideus, com permissão para alterar o curso da natureza e, aos poucos destruir a existência de diversas formas viventes que habitavam o local bem antes mesmo de sua existência.

       O primeiro movimento é nascer, puro, como afirma Rousseau, sem defeitos ou conhecimento das artimanhas usadas rotineiramente para sobreviver em sociedade como um predador voraz e feroz, ultrapassando o obstáculo inicial.

          Durante esse período o ambiente no qual lhe coube nascer influenciará permanentemente na base do seu caráter, bélico ou conciliador, astuto ou néscio, moralista ou devasso, a responsabilidade dos pais é altamente requerida, e é nesse instante que ele absorve características primordiais que o acompanharão para sempre.
      O segundo movimento é crescer. Saudável física e mentalmente, livre de preconceitos e influências externas prejudiciais. É o começo da aprendizagem de separar o joio do trigo.
      Acontece que durante tal fase é impossível evitar influências, principalmente midiáticas, dizendo como criar, como agir, como cuidar, como punir ou premiar... Trata-se de uma substituição visceral e os meios de comunicação tomam o lugar dos pais e da família no ato de orientar, e nem sempre o fazem corretamente, destruindo um caráter violentamente.


        O movimento número três diz respeito ao desenvolvimento do indivíduo em sociedade. O que ele pretende realizar, o respeito com o qual deve tratar os seus pares, o interesse que demonstra em evoluir e a maneira como pretende fazê-lo, pisoteando os concorrentes ou agindo com justiça e lealdade... O seu posicionamento diante da vida, as crenças que deveriam acalentar o seu coração e orientar a condução de sua existência com qualidade, respeito ao próximo e liberdade para lidar com os problemas com consciência e afabilidade, crescendo sem desconsiderar ou prejudicar a ninguém por isso.

          Esse período tem sido cada vez mais difícil com a perda do senso hierárquico, do respeito às instituições, da manutenção das tradições e imortalização da história, da transição das ideias produtivas e criações que beneficiam à humanidade igualmente.

          Gerações são manipuladas e dominadas ao ponto de parecerem zumbis; opiniões são rechaçadas com ódio pela incapacidade de dialogar em nome do bem comum, e não determinadas classes e castas.

          Não é possível afirmar que isso seja inevitável, parte do que foi previamente traçado e impossível modificar, culminando com o quanto movimento, o último deles aparentemente.

          Trata-se basicamente do movimento final nesse nível, pelo menos, que é a forma como o indivíduo vai desligar-se desse mundo, morrer, deixar as suas conquistas e os seus legados ou aliviar os outros da sua torpe presença na aventura de viver em comunhão.

          Pensando desse ponto de vista há como escolher, sim, o modo como irá ausentar-se do mundo dos vivos. Todos os movimentos anteriores servem como currículo para aloca-lo em seu lugar de direito, seja ele qual for. Portanto, o livre arbítrio deveria ser utilizado de maneira muito mais inteligente e valiosa; mas então não seríamos seres humanos.



Marcelo Gomes Melo




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