Adormeci
embriagado na sua cama e acordei com uma dor excruciante. Foi então que eu
percebi que você havia me dado um verdadeiro trato, menina boazinha. Morena
boazuda, como diria o meu velho.
Como eu soube?! As queimaduras com
pontas de cigarro no tórax. Os talhos com a Gillette cega que desciam profundos
até a coxa, no lugar em que você a deixou enterrada.
O martelo ensanguentado largado na
ponta da cama indicava como você destruíra as pontas dos meus dedos, das mãos e
dos pés; o alicate no chão ainda continha uma das unhas arrancadas pela raiz.
Juro que só percebi que estava
enxergando com dificuldade quando a minha face se encontrou com o espelho do
guarda-roupa. Aquela figura apavorante com um olho só, cabelos ensanguentados,
a boca mole sem dentes era eu!
Quando tentei gritar o seu nome notei
que já não era possível. A boca inchada atrapalhava. Metade da língua sobre o
criado-mudo também.
Eu só cheguei tarde porque bebi um
pouco a mais! E só bebi um pouco a mais porque estava feliz. Eu estava feliz
por causa do aumento anunciado pelo meu chefe no final do expediente.
Aliás, foi ele, o próprio quem
convidou para comemorarmos rapidinho, apenas uma ou duas cervejas. Eu liguei,
enviei mensagem para o seu celular tentando avisar, mas não obtive resposta.
Sem bateria, quem sabe...
Você
é boazuda, sim, mas boazinha jamais! Ciumenta à máxima potência, os seus pais
me alertavam, sem que eu os levasse a sério. Hoje eu sei. Da pior maneira.
Estirado daquele jeito, sem
travesseiro, senti que estava engasgando com o meu próprio sangue! Tentei
berrar, em vão; espernear, sem chance, erguer o corpo, sem nenhuma condição.
Era a morte mais consciente e inevitável que um ser humano jamais imaginara!
O esforço para abrir os olhos foi o
que me fez dar de cara com o seu rosto angelical ali, sobre mim, sorridente,
segurando uma bandeja com o café da manhã.
O quê?! Olhos! Plural. Os dois?! A
mente aos poucos foi assimilando a realidade, saindo do profundo colapso e me permitindo
raciocinar. Sonho! Sonho não, pesadelo! Eu estava intacto, ainda, e iria comer
um pãozinho na chapa, pelo amor de Deus!
Suando em bicas eu me benzi, beijei a
boazuda boazinha e passei a me considerar um monstro. Eu estava com toda
certeza aprontando algo errado. Sairia daquela cama e iria imediatamente para
uma igreja pedir perdão. Depois do café.
Marcelo Gomes Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu feedback é uma honra!