Demente!
“Quando a demência não
difere pobres de ricos, certos de errados, apenas se institucionaliza do asfalto
às nuvens, das ruas aos aparelhos de televisão...”.
- Tira o “zóio”! Tira o “zóio de bomba”! Falei. “Tá Ca zoreia
tapada”? É essa “zunha” grande e suja que te “atrapaia” de dirigir!
- Minha senhora, acalme-se. A senhora está errada, entrou
na contramão.
- Quê?! Contra a minha mão, tá maluco? Eu não fico contra
minha mão nunca, só tenho duas, o senhor tá com “pobrema”! “Tô” sempre a favor “das
minha mão”! E joga o “chicrete” fora pra falar com eu, “faifavô”!
- Não é “ com eu”, é comigo.
- Tá “veno”? É com você mesmo, até você concorda. Com esses
“zoião” e “num sabe lê as praca”! Ninguém sai daqui até os “puliça chegá”. “Tá
veno esse embrema na minha brusa”? Sou funcionária da “Ordi dos adevogado”, meu
nome é Creusa, seu cretino.
- Minha senhora, por favor, se acalme...
- Como vou me acalmar? Sou “craustrofóbica” e estou com dor
na “cravícola”! Vou querer indenização!
- Indenização de quê? A senhora está errada, madame.
- Madame, eu?! Como ousa me tratar assim?! O senhor não tem
“dipromacia”! Não sou madame coisa nenhuma, sou “boadame” e muito! Meu “adevogado”
vai colocar um “prano” em ação e vamos tomar o seu dinheiro.
- Só me faltava essa! – olha o relógio, impaciente,
embaraçado com aquela situação em que se metera com uma mulher escandalosa
chamando a atenção e arrancando sorrisos da multidão que já se aglomerava. Deu
graças quando a polícia chegou.
- Boa tarde, estão
todos bem? – cumprimenta o policial tranquilamente.
- O senhor já chega preocupado com todos, “seu puliça”? O
acidente não foi com todos, só com “nóis aqui”!
- Minha senhora, mostre os documentos, por gentileza.
- Quê? Tarado! Um “puliça” pedindo pra eu mostrar os “dicumento”,
tá doido? Sou “muié”, não vou mostrar meus “dicumento” pro senhor, não!
- Os documentos do carro, dona! – o policial troca um olhar
com o homem, de cumplicidade, já imaginando o que ele estava passando.
- Como assim, “dicumento” do carro?! É macho, “craro”! Se
fosse fêmea seria “carra”. E eu sou dona dele, sim; você “tomem tem pobrema”,
é?
- A documentação, minha senhora, a papelada do carro e sua
carteira de motorista!
- Não sou do senhor, não, “seu puliça”! E tá aqui minha “cartera”
do “selviço” na “Ordi dos Adevogado”.
- Dona... Creusa, eu estou atrasado para pegar o meu filho
no colégio, vou levá-lo para jogar baseball... – o homem resolve apelar para o
bom senso da mulher, já trêmulo de nervoso – Vamos resolver como pessoas
civilizadas, e...
- Está dizendo que não sou civilizada?! Me “chamano” de “selvage”
na frente do “puliça”, que não faz nada pra me defender!
- A senhora entrou de ré na contramão e meteu a traseira no
meu para-choque novo! – a paciência se esvaiu e o destempero tomou conta – Por que
diabo está criando problemas, bruxa maldita?!
- Me “arrespeite” que não sou desse tipo! Minha traseira é
limpa e não faço essas coisas na rua com desconhecidos! – vira-se para o
constrangido policial – O senhor não vai fazer nada?! Ele me desrespeitou e o “pobrema”
sou eu? Exijo uma ação imediata contra esse cidadão!
- Ele se referia ao carro, dona Creusa. A senhora não viu a
placa?
- É “craro que vi a
praca”! Não sou cega. “Bisgoiei” pelo retrovisor; a “frecha tá apontano pra lá”!
- Policial, não vou querer denunciar essa mulher, eu só
quero ir embora. Por favor, peça que ela retire essa lata velha do caminho para
que eu possa buscar meu filho. Eu mesmo vou mandar consertar o carro. Prefiro
arcar com o prejuízo.
- Prejuízo?! “Sou mim” que está no prejuízo, seu “puliça”!
Ele vai ter que pagar. Meu adevogado vai pedir quarenta marmitex e cinquenta
conto pelos “pobrema” que me causou.
- O seu carro está intacto, dona! Foi o carro desse senhor
que sofreu prejuízo, causado pela senhora! – o policial já estava nervoso com
ela.
- Como assim?! Eu sou a vítima aqui! Ninguém sai até o meu “adevogado”
chegar. Estou nos “prenos” direitos!
- Ah, é? Então o seu carro está avariado – o homem vai até
o porta malas de seu Alfa Romeo e retira um taco de jogar baseball. Estava branco
de ódio, tremendo, com dificuldades para pensar e para respirar. Antes que o
policial pudesse reagir, começou a dar pauladas no carro da mulher – Se está
avariado a senhora quer levar vantagem, não é? – os vidros das janelas
destroçados pelas pancadas – Aí está, então, bruxa velha! – capô amassado,
faróis quebrados, portas afundadas – Agora está satisfeita, hein? – espelhos retrovisores
destruídos, calotas amassadas.
A mulher o fitava calmamente, sem reagir. O policial o
desarmou e algemou, colocando-o no banco de trás da viatura, pedindo calma a um
homem transtornado, que espumava pela boca, lábios arroxeados e olhos
vermelhos.
Uma equipe de jornalismo “caça-baixaria” chegou a tempo de
registrar a viatura se afastando com o cidadão bem vestido algemado no banco
traseiro. A repórter mal ajeitou as madeixas loiras e já teve que entrar ao
vivo, sem noção alguma do que havia acontecido, e já foi informando com um
sorriso radiante:
- Desgraça maravilhosa
em plena hora do rush! A polícia levou o cidadão violento que atentou contra o
patrimônio de uma inocente senhora, vítima de sua ira venenosa. O milionário
achou que subornaria a polícia e sairia livre contra uma humilde representante
do povo, mas, como vimos, nossa bem preparada polícia agiu corretamente e levou
o infrator para a delegacia de polícia, liberando a avenida e garantindo o bem
sem olhar a quem. Uma palavrinha ao vivo da vítima, salva da fúria dos ricos!
E dona Creusa, embasbacada, com uma expressão angelical no
rosto, falou, olhando fixamente para o microfone:
- Nossa, como o povo anda “nelvoso” no trânsito, moça! “Grória
a deus”!
Marcelo
Gomes Melo
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