Eu
quis comer você!
Caminhando com as mãos
nos bolsos em meio a uma multidão de canalhas endinheirados, sorridentes e bem
dispostos, meus olhos a percorrem gulosamente, porém, à distância. Entre nós há
uma centena de esfomeados com a preferência. Mais dinheiro, mais cacife, melhor
posição na vida, mas eu não desisto. Existe uma atração irresistível em você
que me move em sua direção, examinando cada detalhe.
Macia, rosada, suculenta até onde posso ver, com certeza.
Ei! Não ousem apalpá-la, essa me pertence! Bastante cara para minhas posses, eu
sei, ainda mais nesse ambiente tradicional da sociedade paulista, templo das
delícias frequentado por turistas do mundo inteiro, todos em busca de prazeres
indescritíveis, exóticos; formas distintas, sabores jamais provados, por isso
tão caros!
Olho em volta e percebo a diversidade de iguarias, vindas
de todos os lugares do país; algumas do exterior. Todos os presentes estão
dispostos a gastar uma pequena fortuna para deliciar corpo e alma. Tenho menos
recursos financeiros e apenas um desejo. A mais carnuda de todas! A mais
gostosa!
Como se sabe, o prazer
nos alcança através de todos os sentidos; Você sente o perfume, delicioso,
suave, levemente adocicado e já começa a salivar, imaginando o momento em que
poderá tê-la entre as mãos, segurando firme, acariciando, sentindo a textura
inigualável, maravilhosa. Você a vê e seus olhos brilham de desejo, seu estômago
se contorce na expectativa, fome total!
Você ouve o roçar suave quando outras mãos a tocam, antes
que pudesse chegar e oferecer seus trocados, ou melhor, tudo o que tem em troca
da posse daquela gostosura sem fim! Você a quer atormentadamente, e a nenhuma
outra! Você tem que, você precisa comê-la!
O terror assola um homem com tanta fome e desejo. Tento me
movimentar o mais rápido possível por entre os turistas mais próximos, melhor
colocados. Dou cotoveladas, continuo de olhos fixos, para não perdê-la de vista.
A boca seca. Com um golpe afasto uns japoneses, que me olham surpresos como se
eu fosse um tigre mal educado, disposto a tudo. E eu sou!
Italianos e nordestinos reclamam em altos brados, movendo
tipicamente as mãos quando são suplantados por minha gula, mas não me importo,
nem lhes dou atenção. A dois passos do meu objetivo estendo a mão para tomar
posse da minha delícia rosada e cheirosa... Aperto o bolo de notas no bolso da
calça; já tinha uma estratégia: pagar antes e me livrar da concorrência. Mais
um passo e...
Ahhhhhhhhhh! Não, não,
mil vezes não! Uma senhora a pegou antes de mim. A encaro, sem voz, com um
olhar criminoso no rosto, mas a mulher me ignora solenemente. Simplesmente a
empurra para o fundo da sacola plástica.
Não pode ser! Há tantas outras tão gostosas quanto ela na
banca! Essa me pertence, velha carola! Quero berrar, mas o silêncio e a
decepção me desanimam. Friamente a megera insensível se afasta para o outro
lado da banca. Culpo a mim mesmo por ser
tão pobre e não ter chegado antes.
Aqui no Mercado Municipal é assim. Se você quer as melhores
frutas, chegue cedo. A concorrência é enorme, há quem venha até de outro
planeta para saboreá-las.
Eu sei que posso tentar um pastel de bacalhau ou o famoso
sanduíche de mortadela de quatro quilos. Mas eu não quero, vim por causa dela,
e só por ela. Vim para degustá-la inteirinha, chupar até o caroço! Aquela
magnífica e sensacional manga rosa, a coisa mais gostosa que meus lábios
poderiam tocar, mas se perdeu na sacola de uma matrona insaciável, que se
afastou a caminho do setor de frutos do mar.
A mim restou o olhar entristecido, pecaminoso, observando aquela
sacola carregando a uma mulher desalmada, perdendo-se no meio da multidão...
Quem me notasse naquele momento leria em meu rosto de forma absolutamente
clara: “Eu queria tanto comer você!”.
Marcelo
Gomes Melo
A-do-rei, rsrsrs
ResponderExcluirSensacional seu modo de escrever assim com tantos detalhes. É estou lendo algumas coisas por aqui rsrs