Rei ladrão para presidente do Brasil
No
século passado, meados dos anos 80, o Brasil, que à época ainda tentava se
inserir no roteiro de shows das grandes bandas estrangeiras, começava a manter
contato com o estilo europeu de música, com a chamada invasão inglesa, com a
difusão dos superastros americanos através da recém-inaugurada banda FM de
transmissão, um avanço fenomenal para a juventude de uma geração com enormes
dificuldades em antenar-se com o que rolava no restante do mundo em termos de
moda, música e shows.
O que hoje é conhecido em tempo real,
e compartilhado em alta velocidade, levava séculos para alcançar essas plagas,
desconhecidas ainda mais pelos habitantes do primeiro mundo, que julgavam ser o
Brasil uma imensa selva com jacarés passeando pelas ruas e mulheres nuas
dançando e vendendo o corpo em troca de espelhinhos e batom.
Eis que, por volta de 1987, o grupo
B.A.D. (Big Audio Dynamite), liderado por Mick Jones, ex-membro da famosa banda
punk britânica THE CLASH aportou no Brasil via Rio de Janeiro, para alguns
shows que enlouqueceram a rapaziada carente de som de qualidade e estrelas
mundiais da música. Os membros do Big Audio Dynamite gostaram do ambiente
festivo e diferente que encontraram por aqui, homenageando a sua vinda com uma
canção que retratava a visão que tiveram do país durante a sua estadia.
Motivados pelo recém-inaugurado
sambódromo, a avenida dos desfiles de carnaval na cidade maravilhosa, Jones
nomeou a música “sambadrome”, usando o famoso irônico humor inglês para contar
o que presenciaram durante o tempo que passaram na terra do amor livre, da
sacanagem e das drogas.
A
letra fala de um suposto “rei ladrão”, que, resgatado da cadeia por um
helicóptero, roubava dos ricos para dar aos pobres, como um Robin Hood moderno;
apesar de ser um temido bandido, parecia ser idolatrado pelos miseráveis que
vendiam drogas para os turistas; crianças com calção de jogador de futebol
sambando pelas ruas, misturados às mulheres nuas que pulavam carnaval,
dispostas a tudo para sobreviver.
A miséria convivendo com a riqueza e
ostentação, a facilidade de burlar a lei em um ambiente de total corrupção e
ausência de valores morais. Um local propício para atrair predadores de todos
os tipos, turistas com dinheiro para satisfazer qualquer desejo, pairando acima
da lei.
E o tal “rei ladrão”, malfeitor e
traficante que vendia drogas para alimentar os favelados e conseguia escapar
tranquilamente das garras da lei, artigo que inexistia no país do sambódromo.
Dizem que o personagem “rei ladrão” da
música era o bandido “Escadinha”, que escapara do presídio da Ilha Grande de
helicóptero, numa fuga espetacular digna de filmes de ação americanos. Ele foi
um dos fundadores da facção criminosa carioca conhecida como “Falange Vermelha”,
que logo se tornaria o “Comando Vermelho”.
Contando essa história através da
canção, o Big Audio Dynamite sugere, ironicamente, que o criminoso, pela
audácia e poder, e por ser um benemérito dos descamisados através das ações
ilícitas fosse candidato (e eleito) presidente do Brasil.
Isso foi há 28 anos! Nos faz pensar se
algo mudou desde então, em nossa bela nação do sambódromo, para melhor ou para
pior. Se a visão dos estrangeiros, que ficaram por aqui poucos dias condizia
com a realidade ou se enxergaram apenas superficialmente; a realidade era ainda
pior...
A
sugestão dos astros ingleses pode ter sido aceita e “reis ladrões” assumiram o
poder escancaradamente a partir daquele momento? Houve quem se sentisse
ofendido com o conteúdo cantado por eles! Estariam ofendendo o país ao relatar
toda aquela sacanagem tão abertamente? Como o Brasil podia ser retratado assim
para o resto do mundo e cabeças não rolarem?!
Apesar dos pesares a música foi um
grande sucesso, e se relembrada ainda hoje, nos fará raciocinar que qualquer
semelhança não é mera coincidência.
Marcelo Gomes Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu feedback é uma honra!