Uma saga tecnológica inexorável
Foi
na segunda metade dos anos 90 que a internet no Brasil passou a oferecer,
através dos portais, conteúdo interessante e estalando de novo, para os
privilegiados que possuíam computador e acesso discado; sim, o acesso era feito
através da linha telefônica, e o chiado característico ainda assombra aos
antigos usuários, que durante o período online ficava sem a possibilidade de
usar o telefone para ligações ou de recebê-las.
A navegação era lenta e caía
frequentemente, razão pela qual as pessoas preferiam tentar a conexão à noite,
ficando madrugada adentro em busca de conhecimento, maravilhadas pelas
novidades e possibilidades de conhecer novas pessoas em locais distantes e
improváveis.
Os primeiros portais brasileiros foram
UOL (Universo Online) e BOL (Brasil Online), além do portal americano AOL
(America Online) e em seguida o portal Terra e o portal IG, ainda atuantes no
mercado. Um dos grandes destaques do momento foi o bate papo online, que
oferecia salas para que as pessoas conversassem entre si sobre quaisquer
assuntos; foi a maneira mais democrática de interação pessoal à distância,
porque não separava por raça, cor, religião, credenciais acadêmicas ou
hierarquia social. Todos podiam interagir livremente, coisa que talvez não
acontecesse em outro ambiente qualquer, porque as pessoas são segregadas a
determinados locais por causa do poder econômico, religião, classe social e
nichos acadêmicos.
O oferecimento dessas salas de bate
papo por parte dos portais foi uma grande jogada para o crescimento de cada um
deles, pois os usuários perceberam a gigantesca chance de misturar fantasia e
realidade, protegidos pelo anonimato da internet.
Os
tímidos e antissociais por natureza passaram a ter a chance de pintar para eles
próprios uma imagem completamente diversa, agindo de forma desinibida e
despojada; os que apresentavam deficiência na escrita da língua portuguesa logo
encontraram uma maneira de ocultar, usando linguajar de bebê ou de caipira;
cada um se virava como podia e a mágica da comunicação acontecia com
eficiência. Foi a partir daí que uma nova linguagem, denominada “internetês”
surgiu, sendo utilizada massivamente hoje em dia, codificada por cada tribo
para suprir as próprias necessidades, misturadas aos jargões de cada área de
conhecimento profissional ou informal.
É importante lembrar que, durante esse
início tão festejado, poucas pessoas apenas ouviam falar da novidade, mas não
tinham acesso a ela; isso veio acontecer aos poucos e na sequência, com a
criação das chamadas Lan Houses, que alugavam computadores e acesso à internet
pago por hora, para quem não tinha computador em casa. A garotada de hoje, os
filhos da revolução digital que nascem pilotando qualquer equipamento e seus
gadgets sem nenhuma dificuldade, sequer imaginam que não existia a possibilidade
de nada além de conversar nas salas de chat; não havia como enviar fotografia,
então eram todos lindos, altos, fortes e inteligentes; ricos e felizes vinte e
quatro horas por dia. Muitos desses casais de beldades hoje estão casados e
registrados como produtores dos filhos da tecnologia. Com o advento do scanner,
a ideia de enviar foto através de email foi acabando com essa nação de lindos e
mostrando que ali era um ambiente mais real do que supunha a vã filosofia do
povo.
Também não havia webcam! Quando
surgiu, com uma imagem meio desfocada e que funcionava melhor em computadores
mais novos e um pouco mais velozes foi outra revolução maravilhosa. Os “nem tão
lindos assim” já pegavam mais leve ao se descreverem porque a CAM poderia
desmenti-los clamorosamente. A não ser que o camarada se achasse mesmo parecido
com Brad Pitt e a garota com Angelina Jolie... Essas mesmas pessoas vivenciaram
as múltiplas possibilidades da utilização de fotos e imagem na conversa, gerando
mais avanço, felicidade e decepções.
A
próxima grande fase foi a das redes sociais, que explodiram de uma só vez,
deixando que as pessoas pudessem criar o próprio perfil e contar toda a sua
vida e sonhos para quem quisesse saber; uns com mais discrição, outros com
menos, desenvolveram o costume de bisbilhotar a vida alheia e ter a vida bisbilhotada com o consentimento,
consciente ou não. O Orkut foi a primeira das redes a ser seguida com enorme
paixão, até que caiu em desuso, saiu de moda e foi trocada sem remorso pelo
Facebook, que ainda domina as paradas, não se sabe até quando. Em paralelo a
isso, os aplicativos mensageiros foram bastante requisitados, como ICQ e MSN,
hoje suplantados pelo WhatsApp; mas isso é outra história.
Durante toda essa saga,
superficialmente contada aqui, quem passou incólume e sempre necessário foi o
email, usado bastante até hoje, seja de cunho corporativo ou pessoal, sabe-se
lá o porquê. Hoje em dia as novidades tecnológicas aparecem e são substituídas
velozmente sem que as pessoas notem ou, quem sabe, se importem. O que importa é
estar na vanguarda, na moda.
Houve nessa revolução, em duas décadas
aproximadamente, muitas coisas ruins e muitas coisas boas, mas não se pode
negar que o mundo se estreitou e os acontecimentos são vivenciados em tempo
real através do globo terrestre, sem diferenças de informação, nem por causa do
fuso horário.
Resta-nos
imaginar se não somos hoje uma espécie totalmente diferente da espécie humana
do século passado, física e intelectualmente. E que o tempo, implacável, não
permite que as coisas permaneçam as mesmas, sejam elas animadas ou inanimadas.
Todos passamos. A escolha que devemos fazer talvez seja passar
confortavelmente, nos adaptando às mudanças conforme elas apareçam, ou sermos
excluídos do convívio social por conta de convicções rebeldes e até infantis
contra algo que não se pode mudar.
Marcelo Gomes Melo
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