O
beijo que eu guardei para ela hoje vive seco como uma flor entre as folhas de
um diário, uma embalagem de um bombom sobre versos apaixonados adolescentes,
dobrado por anos a fio, secretamente guardado em uma gaveta trancada de uma
velha escrivaninha...
Viver
de lembranças é como sofrer estocadas no corpo com diferentes graus de dor, e panaceias
que curam lentamente, sem conseguir o objetivo final pois as feridas são
constantemente reabertas. Até que o corpo, de tanto aturar os maltratos crie
uma couraça intransponível, e a dor deixa de significar alguma coisa.
Ao
mesmo tempo a conta é enviada ao cérebro, que fica avariado permanentemente, e
os olhares tristonhos atirados ao mundo de vez em quando são atos de rebeldia
desesperada que não atingem a ninguém.
Inesperadamente,
um dia ela cruza, sem querer, o meu caminho; e quando nossos olhos se cruzam,
cruelmente nem dá sinal de lembrar quem eu era, fria como um iceberg. Apesar
disso o beijo que eu guardei para ela imediatamente dá sinal de vida, molhado e
saboroso, um rastro de vida em um corpo morto, sem traço algum de combinação.
Horrível
perceber, documentar a falta de reação dela, nenhuma centelha de incômodo,
nada. Não signifiquei nada. A angústia se manifestaria caso eu ainda pudesse
reagir a alguma coisa. Sem vestígio de sentimento.
Ela
passa por mim veloz e gelada como um sonho ruim, sequer olha para trás. Um trem
perdido em uma estação do interior, que confirmou a prisão em que eu viveria
dali em diante e para sempre. A vida real é melhor do que qualquer sonho
conturbado que se mostra ainda mais real e eterno.
Marcelo Gomes Melo
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